31 de dezembro de 2009

O rapaz do Rivoli

Para quem não conhece, se bem que deva ser difícil, sobretudo se algum prazer tem nas coisas boas da vida, o Rivoli é um daqueles lugares que fica na memória. A fachada imponente mas discreta, escondendo sorrisos e acordes ecoando do palco escondido lá dentro, olhos e lábios pintados de corpos bem delineados deslizando pelas portas de vidro, cachecóis brancos sobre fatos de cerimónia no frio da noite da cidade, ou simplesmente a descontracção das crianças correndo para chegar primeiro, sempre primeiro e mais perto, dos palhaços pançudos. É um espaço físico que transcende o Tempo, uma vez visto e sentido. E, porque não, saboreado. Escapulindo ao burburinho dos espectáculos, há um ambiente de meia-luz e todo o aroma a cera perfumada queimando no ar, chegando a nós entre travos de café quente e bolo de chocolate.


Para quem não conhece, o sítio que se encontra ao subir as escadas, esconde mil conversas e um sem fim de rostos que se cruzam nos serões da Invicta, trocando cumprimentos, ideias e experiências, olhares cúmplices e chávenas a escaldar, que se oferecem ao amigo ou se partilham com quem nos faz sentir, num instante, um arrepio no fundo das costas.


Para quem não conhece a cor deste espaço, os sons do seu exterior e o silêncio da minha cidade quando a vemos ao escurecer, conto eu estas linhas de momentos, o mais extraodinário dos quais ainda vejo diante dos olhos se me deixo levar pela memória, travando a viagem numa noite apetecível de Maio, longe de saber a excelência dos largos minutos que pararam magicamente naquela Baixa que se iluminava numa Primavera estrelada. Um vulto, depois um corpo mais distinto, um perfume e um rosto. Um cumprimento a medo sem o ter, apenas o receio de logo ali deixar cair a compostura e procurar mais de perto afinal onde se esconde essa essência quente e perturbadora que aquece o ar à nossa volta, quando a distância se mede em menos do que palmos.
O rapaz do Rivoli, cujas palavras tanto tempo se escutaram e proferiram em silêncio, olhando profundamente cá dentro, vendo todos os recantos do que há para contar sem invadir, apenas entrando por uma porta julgada ferrugenta e empenada. Com nome ou sem nome, não importa. Não precisava dele para o chamar. "Fica ao pé de mim" bastava, como agora, porque o maior dos títulos que lhe poderia dar, está gravado bem longe dos olhares comuns.


E só nós sabemos quão profunda e verdadeiramente.