10 de dezembro de 2008

Alerta das letras

Há títulos, nomes, descrições, saídas, denominações e outras que tais de livros, que nos intrigam. Abrem as páginas por nós e puxam-nos para dentro, seja da história, seja do desejo de a saber de cor. Acontece muitas vezes comigo, ou melhor, as vezes bastantes nos livros suficientes. Nas prateleiras desgrenhadas e atoladas de literatura de todas as cores, sobretudo nas festividades que embrulham o andante num espírito de "leva contigo para alguém, sem saber porquê", continuam as pérolas que todo o ano brotam de alguma mão. Pérolas, ou para mim que não morro de amores por elas, mimos para a inteligência; essa que sente e vê e lê todas as linhas de todas as páginas do dia-a-dia. Na vulgaridade da gente banal e desinteressante, ovelhas em rebanho que não deixam no ar um simples porquê, pobres tristes, digo eu, recorro desta lembrança dos textos críticos, sentidos, chorados, ridos, alertantes ou apaziguadores que se deitam todas as noites no silêncio da livraria. Vão até lá. Espreitem. Vejam como há mais do que a estúpida existência que vêem às voltas em "xópingues" atolados.
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5 de dezembro de 2008

5ten Dezember zweitausendacht

Conversas sem fim, frases que se terminam noutra voz, pensamentos que se vêem sem palavras tão-pouco balbuciadas. A nossa comunicação, se quiser explicar assim o nosso entendimento. A nossa ímpar forma de querer nada mais do que a companhia; essa que torna a noite menos escura, o amanhecer um abraço e cada dia uma esperança.
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Nós.
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1 de dezembro de 2008

Apontamento

Quando não se pode então mudar a vida, nem sequer mudar o que ela tem e não queremos, faz-se o quê? Lembrar a noite e um abraço durante o sono. Só isso. O resto aperta-me por dentro e dele de bom grado abriria mão. Construir um caminho por obrigação e, por trás da personagem, ouvindo a voz de ti sempre aqui ao pé.
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23 de novembro de 2008

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Queria mudar esta vida e não posso. Queria dormir de outra maneira e não posso. Fico com um punhado de letras não escritas, desinteressantes para toda a gente e sem significado para ninguém. Fecho o livro da saudade do que não existe ou do desalento triste do que é, para pessoa alguma espreitar as linhas lagrimais aí dormentes. Para só eu ver e mais ninguém chorar.

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13 de novembro de 2008

Raio de coisa

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Tempo passou, muitos dias, as unhas vermelhas são agora rosa simples. Mas continuo a não gostar da gente que podia ser pessoa, contudo permanece sob o jugo da mediocridade. Porque quer. Simplesmente pelo facilitismo de não fazer nada de útil e apenas se arrastar à minha frente, obrigando-me a abrandar. Raio de coisa esquisita. E aquele grito... aquele... grito. Só. E nada mais.
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2 de novembro de 2008

Red nails dark thoughts

Ora uma semana volvida, uma frase se escapa. Sete dias depois do ponto final que terminou o último dito desta coisa que parece escrita, está um frio cortante lá fora e daqui vê-se bem o vento fininho, insinuando-se nas árvores junto ao lago. E talvez por isso, para aquecer os dedos, entenda-se, regresso à má língua, se assim quiser(em) ver estas minhas desgarradas considerações.
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Ora sendo assim, estou farta da pequenez desta gente egoísta que se passeia pelas ruas deste lugar, sem sentido de si, sem noção do nós, longe de perceber quão longe está de ser qualquer coisa mais do que o nada em que mergulha por iniciativa própria. Estas pessoas de crítica fácil, humor que me irrita, falsas palmadinhas nas costas e olhares de desprezo. Pobres! Soubessem quão acima das suas miseráveis vidas está a essência de alguns de nós. Sim, todos quantos, poucos talvez, se vêem mais além e caminham, sem falsas pretensões nem arrogância, apenas honestidade e clareza de pensamento, evoltos na magia da invejável diferença, sempre em sentido ascendente.
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Valha-me Deus e os Anjos e os Santos, porque não me critica quem nalgum deles não crê, porque as pessoas que o podem fazer são poucas. E dispersas. Rebanho destruído.
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26 de outubro de 2008

Domingo

Vim só escrever qualquer coisa, linhas para passar o tempo na manhã fresca que lá fora acorda, de hora renovada, de luz diferente, de cor igual, de motivação fugida. Bem que podia ser um dia diferente. Bem que podia fazer um trabalho diferente. Bem que podia deixar este meu que agora apenas me agonia e em nada me faz ser mais... pessoa.

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19 de outubro de 2008

De volta não sei bem (para) onde

Voltamos de um sítio fora deste mundo, próximo de nós e mesmo mesmo ao pé do nosso sentir. Voltamos os dois e aqui continuamos agora, no nosso caminho de sempre, na nossa vida singular. Voltei eu para tanto que nada me diz. E repouso na imensidão que me aconchega o sono.
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8 de outubro de 2008

As complicações dos outros que nos querem impôr

Há centenas de coisas pequenas e irritantes que importunam o caminhar e incomodam mais do que uma pedra no sapato do hipersensível. Coisas que não têm nome e que apenas chamo assim, recorrendo-me da vulgaridade do substantivo e da banalidade do seu significado vazio de conteúdo, à falta de melhor, à falta de vontade de as descrever na sua inutilidade existencial. Não sendo talhada em papel nem esculpida em cera no deserto, convivo com elas e resmungo intensamente com a sua decadência diária, porém uma ou outra mais pequenina e traiçoeira, volta e meia trocam as voltas a este cérebro e quase o fazem abandonar a escrita e esse futuro que um dia pode ser; e que será de palavras em papel e histórias na lembrança. Assim aconteceu.
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E no mesmo repente assim desapareceu e novamente surgiu. Afinal, tenho argumentos para o filme escrito mais atribulado e sentido de que há memória no meu punhado de neurónios de retenção de acontecimentos, cheiros, pancadas e caminhos.
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Tenho os argumentos imaginados e aqueles outros reais, de uma vida já una de duas independentes pessoas, que querem que se destrua em nome de valores deturpados, juízos falseados à partida, sentimentos incompreendidos e ataques subtilmente directos à mais genuína das intenções - a de perpetuar essa respiração a dois num mesmo compasso de objectivos.
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E como o que lhes digo é que tocaram no mais fundo do meu ser, abrindo a mais dolorosa das feridas, mas sem abalarem minimamente a minha convicção bem formada e certeza inabalável, resta-me concluir pela vontade de guardar todos os percalços que me colocam por diante; assim contá-los-ei um dia com o orgulho de ter dado primazia à genuinidade do sentimento. Porque o Deus que pensava ser único e transversal, mas que afinal me querem fazer crer ser de outra maneira, conversa comigo e diz-me que todos com ele falamos, logo não importa a cor da pele e o prato preferido.
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E sei que te diz o mesmo. Portanto eu continuarei a ser a branquelas e tu o terrorista, adormecendo no silêncio da nossa cumplicidade.
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5 de outubro de 2008

XXVIII

Alento?
Num número.
Numa esperança de um dia destes passar a adormecer sempre um pouco menos pesada.
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26 de setembro de 2008

Parágrafo de história lida em cores ocre

Demorei a vir e a escrever, para poder chegar à conclusão com tempo e espaço, de que me fartei da estupidez e de tudo o resto que nada mais é do que isso mesmo. Saturei-me da perda de tempo em lugar nenhum e de ter perdido tempo com nada de jeito, perdendo a escrita, o gosto pelas coisas de nome que não digo. E perdi a paciência, os bons modos, sei lá. Não em conheço. Odeio a madrugada, detesto o anoitecer, abomino os entretantos. E nem um lugar de sossego me restou, ao fim de contas.
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Quero lá saber deste lugar.
E dos outros.
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17 de setembro de 2008

O início de um livro ou de qualquer coisa assim

Rir e chorar não são imediatos, dados, banais. Se genuinamente sérios, acontecem na solidão ou na mais perfeita e cúmplice companhia. De noite, de dia, no nevoeiro, ao sol. Não importa. Não importa...
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16 de setembro de 2008

11 de setembro de 2008

Assim de repente

O meu nome é Maria. Maria José. Não sou agente secreto mas sou conhecida de formas diferentes. Partilho as horas do que apelido de meus dias, com poucas pessoas e muita gente. Ou então apenas com as pessoas, deixando para a gente a coexistência necessária. Aprendo coisas novas a toda a hora, lições de vida ou de como não a viver. Junto também saberes nascidos do questionamento e acredito num Deus que tem muitos nomes, mas apenas uma verdadeira essência; percebida por poucos, rezem baixinho ou conversem em tom de desabafo, sem orações como as minhas, sem preces de algibeira, mas tão pura e sentida como a história cravada no sangue que nos chega a todos, seja de que forma for.
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Tenho nome, morada, telefone. Quantas vezes me esqueço desses detalhes e vivo somente no dado adquirido de os ter, para os gostar de lembrar quando alguém me reconhece na multidão. Um fiozinho de egoísmo para mim...
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Ou para nós. Quando dissermos até logo, vemo-nos ao adormecer. E gritarmos ainda mais, no silêncio que nos une, que divergimos em tanto quanto nos enriquece o coração.
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6 de setembro de 2008

Novamente, até aos limites das coisas simples

É o mesmo dia de há bocado, daqueles letrinhas tantas que se lêem sob a data deste mesmo dia, e continuo agora as palavras da manhã. Nenhum diário, nenhuma crítica. Apenas o desabafo do mais incrível e fantasticamente chegado momento; não agora, não hoje, há já tempo incontável e sem medida. O instante, ora bem, de sentir que presença alguma completa tanto o meu sono e acordar, como esta de que sinto saudade na distância contada em metros ou quilómetros, tanto faz. O instante mais alegre e sombrio dos tempos que foram sendo. Simples perceber... porquê.
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É o mesmo dia daquela espécie de coisa nenhuma que saiu destes dedos ia já alta a manhã. E é sempre aquele instante e todos os que chegaram antes e vieram de seguida, que alentam a outra escrita e sem dúvida esta também.
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Nunca me despeço do rosto que me diz sorrisos. Como agora, sempre lhe falo baixinho um boa noite. Gosto de ti.

Aqui, como sempre

É assim meio estranho mas perfeitamente normal, tendo em contas os padrões que regem as pessoas e as cabeças que têm em cima dos ombros, sem outra utilidade que não a de... a de..., bem depois hei-de descobrir, que sejam, dizia eu, pouco interessantes e, no mínimo, ovelhinhas com medo do cão-pastor. Ora eu que gosto de olhar os cães no olhos e não tenho nenhum amor especial por ovelhas farfalhudas, deparo-me com a curiosa necessidade de com elas conviver. Nada de transcendente, no fundo, porque a igualidade sem diferença seria, no mínimo, enfadonha. Porém inconveniente, qual pedrinha no sapato que não mata mas mói. E porquê? Quase me escuso a tal esclarecimento deixar, porquanto a ironia da questão seria suficiente. Ainda assim ouso ir além dessa minha vontade e escrevo, preto no branco (ou noutro fundo qualquer, não sou bicromática), que me revoltam todos quantos se regozijam com bincadeiras de inferior valor ou posturas de inquestionável ausência de personalidade. E, dito isto, termino esta espécie de coisa nenhuma, sem dúvida mais do que agradada com a minha diferente forma de ser, pensar, falar, estar e querer. Cada um que pense agora onde mais se sente à vontade - se entre ovelhinhas, se na suposta elite da diferença. Porque elite é muito mais do que um adjectivo de revista cor-de-rosa; antes e sobretudo, o denominador comum de quem é por si próprio.
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28 de agosto de 2008

Novas desta terra

Novo ano ou coisa nenhuma dessas, porque uns dias de Sol ou chuva ou temporal sem descanso, não mudam os números do calendário; aliás, nem estes transformam gente e lugares, portanto fique cada um com o seu 2008 que eu fico com o meu. Viaja-se, vêem-se corpos de todas as coisas, respira-se ar quente e toca-se a neve, quando meio mundo procura assar e queimar, que nem frango esquecido sobre a grelha. Contam-se quilómetros ao longo de espaços designados agora para percorrer, outrora apenas para serem descobertos. E volta-se ao ponto de partida, onde há geada de manhã, pontes escuras, gente de sempre - daquela que bem podia esfumar-se à passagem de uma brisa (como nos filmes, por exemplo) e da outra; da que nos aquece o ser. Volta-se ao ponto de partida e escrevem-se linhas de crónica do tempo e do lugar comum, sem que se perceba onde está o sentido do seu significado. Ou talvez não.
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22 de agosto de 2008

Um dia, só um dia

Voltei.
E ainda em tempo de Sol, procurei-te ou encontramo-nos, tanto faz. Olhei de novo os olhos que só via sem presença há tempo demais. Respirei ar de ti. Ali fiquei. Somente.
No escuro adormeci depois, um pouco mais perto, um pouco melhor.
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12 de agosto de 2008

Abraça-me

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É já muito difícil o eu sem o tu.
As horas prolongam-se, sem fim.
E o resto... esfuma-se em momentos de pó.
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É já muito difícil pensar sem o calor da tua mão.
As horas nos espaços vazios eternizam-se e sufocam.
E o resto... suporta-se melhor ao lembrar de um sorriso.
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Quando voltar, procuro-te no escuro.
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3 de agosto de 2008

Um guia, prefácio, fim ou qualquer coisa assim

Como é que se desiste de uma vida? Primeiro chora-se baixinho, por dentro, antes do sono, quando mais ninguém vem bater à porta e os olhos vermelhos ficam pequeninos e dóem. Depois percebe-se porquê. E cai-se na banalidade dos dias, dos meses, dos anos. As lágrimas secam e as horas passam no relógio para lugar nenhum. Um dia compreende-se para lá da percepção. Relembram-se os nadas de sempre, as agulhas que ainda ferem, os dizeres que vieram e emudeceram as poucas palavras que se gostaria de ter deixado no ar. E, oh nesse dia e para sempre, fica um vazio tão grande. Vêm choros abafados e correntes de água salgada que não brotam aos soluços, mas puramente escorrem sem travão. Espontaneamente, livremente, inadvertidamente. E questiona-se cá dentro, como se desiste de uma vida? De gente? De tantos lugares? De coisa nenhuma?

Sem resposta. Sem dúvida nem certeza. Com o desejo de abandonar tudo. Começando... sabe-se lá bem por onde. Desejando... que fosse pelos corredores desprovidos de sentido, horas imensas passadas em sobressalto, minutos escassos em mesas frias onde se engolem migalhas no silêncio da solidão. Desesperando por nada disto de agora e e de ontem se querer, por não haver ouvidos amigos, nem família que... não se escreve esta parte. Não vale a pena.

Como se desiste sem poder?
Não acontece.
E fica tudo na mesma.
Na mesma tristeza.
Ou até um dia em que se esqueça a pergunta "como".
E aconteça simplesmente.
Desistir.
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1 de agosto de 2008

Touch

O cheiro da pessoa, da pele, do músculo, do cabelo rebelde, de cada recanto escondido e arrepiado. O calor húmido, que ferve ainda mais o ar aquecido pelo Sol lá fora. Um chegar perto, mais perto, muito perto; nem uma folha, nem um respirar, nada entre os olhares. Perto, tão perto que se confundem os sabores dos corpos, que se mergem perfumes. E deslizam esferas salgadas, devagarinho, entre poros de um abraço. À luz, à sombra, no escuro onde brilham olhos de gato; em qualquer lugar, em qualquer tempo. Desejo. Gente. Realidade.
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31 de julho de 2008

Assim, aqui

Vejo meio céu azul e meio céu cinzento. O azul caminha para cima e para cá. O cinzento foge depois de ter chovido a água de um Verão sem cheiro a erva quente; antes, uma estação de terra húmida, minhocas gordas, pés molhados ao sair do carro. Um reflexo vermelho salta da janela de uma casa lá ao longe, no fim da estrada que vejo desde lugar mais alto. É o Sol que se mostra e que ninguém vê, ansiando chegar a casa e mergulhar num banho quente, com Sol ou sem Sol, tanto faz.
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Um céu a duas cores.Curioso.
Estará alguém lá em cima, com pernas fininhas, olhos esbugalhados, cabeça fumegante? Vendo o teatrinho cá em baixo?
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26 de julho de 2008

Guias

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Às vezes olho para as poeiras caídas no vidro, deixadas sobre a transparência e molhadas pelos chuviscos que caíram ao fim da tarde. Fico a vê-las cair devagarinho ao chegar de um vento fresco, estranho ao tempo e às horas destes dias.
Perco-me nos contornos do pó e descubro constelações sem nome sobre os telhados transparentes, pintalgados pelo orvalho, coloridos pela água que verteu do céu.
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E adormeço. Sem arrepios, sem ilusões, sem gente no sofá ao lado. Com a memória de um tocar de cabelos.
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20 de julho de 2008

Uns dias mais tarde do que os que foram

Voltei de muitos sítios, de noites no silêncio das estrelas, de um abraço.
Esperavam-me uns sorrisos à mesa de jantar, contando as histórias destes dias.
Aguardava-me o que mais quero longe, o que menos desejo viver todos os dias.
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Oh, a tristeza e o vazio que me invadem o pensamento ao saber impossível outra sina!
Deixa-me dormir e apertar a tua mão. Só isso. Só para não esperar sozinha pelas horas que aí vêm!

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11 de julho de 2008

Letras

Há uma história escondida por entre as rugas da minha roupa. Um tempo que corre e uns momentos que fogem do passado, encontrando refúgio na memória crescente. Fugaz e insípida passa a hora do aperto cá dentro. E fica depois o nada ao escurecer. Corredores vazios de gente, silêncio avassalador. Uma fusão de saudade de ti. Deles. Do amigo. De mim perdida acho que não.

5 de julho de 2008

O bilhete que não ouviste

Obrigada.
Mas és distante demais. Muito diferente. E subtilmente indiferente, ou pessoa mais próxima do que eu poderia ter sido, desde que pus os olhos neste mundo, do que de tud quanto acabei por ser.
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É pena.
Mas assim continuo a minha vida sem a alegria que lhe podias dar. E continuo a contar mais um dia e mais um mês entre um abraço que não vês. Adormecendo sob olhos que não dormem... sem mim.
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29 de junho de 2008

As coisas e o resto

Um dia, no fim do mundo, quando o tempo acabou e o espaço encolheu, alguém chorou a alma e o desejo. Deixou-se cair por terra, levantou uma poeira pesada e ergueu os olhos para dentro de si. Ouviu um sussurro vindo das entranhas moribundas e sentiu um sopro de vida. Era chegado o instante de recriar o mundo, alargar a vida do tempo, romper as amarras do espaço.
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21 de junho de 2008

Pequenices


Gostava de escrever, um dia, um dia depois de agora. Das personagens tenho uma ideia vaga, da história nem isso. Mas podia desenhá-la neste instante mesmo no meu pensar, redigi-la em papel de vidro e lê-la à transparência nesta vela que se apaga para me dar luz. Não pelo prazer do meu nome ser o da sua origem, antes pelo acontecer de mais uma história para alguém, nalgum tempo, num qualquer momento de sol ou de chuva, se esquecer do tempo e parar o que, real, corre sem destino.
Gostava de viver a magia imaginada, do escritor louco que perscruta os caminhos das palavras, adormecendo no colo de um "boa noite, chega-te a mim para fechares os olhos no silêncio do descanso". Como seria? Como seria sentir assim? Como seria criar e destruir mundos na fantasia? Como seria?
Gostava de deixar cair o lacre do meu nome na contra-capa de folhas bolorentas, longe da saudade do não ser, perto da irrealidade que conforta.
Talvez um dia, impossível, as serras, as areias negras, o sangue vertido na cruzada citadina, o novelo sem ponta da alma, sejam história.
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18 de junho de 2008

Andar

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Às vezes olho, penso, leio, reflicto, chego a lugar nenhum e regresso a onde estava quando parti. Quando saí de nada e voltei ao sítio estranho que cresce e se contrai com a dimensão do Universo. Fico sem saber se é melhor ter sido e desaparecer, ou nunca sequer lá chegar nem ter chegado.
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15 de junho de 2008

Gatos sem sono

Quando acordei já estava claro lá fora, mas ainda estava escuro nalguns cantos do céu, atrás das casas, nas curvas apertadas dos montes e debaixo da minha cama. Estava uma claridade tingida por nevoeiro, um cheiro a quente e frio misturava-se com o Verão que adormeceu ontem à noite, rara gente chapinhava na avenida, um miar longe quebrava o silêncio ou parte da ausência de ruído da cidade.


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Agora já passaram horas desde esse despertar. E o que hei-de fazer?
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12 de junho de 2008

XXX-IV

Não tenho assim nenhum cansaço dos olhos, nem das mãos nem das pernas nem de sítio nenhum do meu corpo. E da cabeça tenho o conhecimento que está acordada e não dorme. Não tenho assim nenhum sono especial. Nem de outro tipo qualquer.
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E então neste não ter, conto a história de um dia que já é pelas horas do relógio, mas que só se diz que nasce quando as elas passarem um pouco mais e o Sol se vir lá fora. Não conto tudo; afinal, são já um punhado de dias acontecidos e poucas as linhas que conto encher de tinta. Conto a imaginação de um desses dias, um desejo, o como seria bom.
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E seria bom ter sono e dormir.
Acordar e respirar o Sol e o calor.
Sentir os sorrisos ao fim do dia, ler a adoração num olhar encontrado entre esses tradutores da linguagem da alma, deitar a cabeça sobre o peito de coração atleta e deixar chegar outro sono.
Acordar e ser...
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Não tenho sono nem vontade de ir dormir. Fecho os olhos e vejo o pequeno sorriso que, por momentos e isolado do mundo, não esqueço. E tento dormir. À falta do resto. Até do sono.
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10 de junho de 2008

Notas

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Há um fosso entre mim e essa coisa nenhuma que pretende roubar-me o ser. Um fosso, na distância das compatibilidades de nós; coisa e eu. Um quarto aqui ao pé, na proximidade que se impõe vinda de fora.
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E em mim, apenas um fechar de olhos e respirar fundo. A ver o mar. A sentir o vento. A queimar ao Sol.
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5 de junho de 2008

XXIV

Estou aqui sentada e está escuro lá fora. Está tão silencioso este quarto e esta casa. Está um tempo estranho, daqueles de tempestade insipiente, quando o Sol brilha estranhamente e a chuva espreita à espera de um deslize. Tantos sonhos maus, tanta realidade sem sentido, tanta vivência de coisa nenhuma. E, no fundo, uma única memória. Uma única saudade. Uma falta, mas de nada que se perdeu, antes do tanto que se tem num pequeno mundo dentro do grande planeta que vai desbotando o azul. Uma falta, diria, do futuro que é já agora, dentro de momentos e à distância dos anos que se contam em meses. Uma falta tua, uma saudade de ti, um desejo do perfume, uma loucura sadia, um risco calculado de ter exactamente o que se quer, longe das dúvidas que nem sei o que são. Uma única saudade, feita das pequeninas partilhas de palavras meias ditas mas completas, ou frases sem ponto final mas sentido conseguido. Uma espécie de coisa nenhuma na linguagem dos Homens, um todo na subliminar mensagem que percorre os nossos arrepiares. Desde sempre. Desde há tantos dias. Desde sempre... desde que o sempre começou.
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Estou aqui sentada, depois das horas que contei no ponteiro saltitante ao pé da vela que se queima, devagar, incendiando os aromas e serenando os pós da Primavera singular que chegou faz dias. Escuto o silêncio da casa quase adormecida e o sons musicados que me fazem companhia. Uma almofada conta-me histórias. Uma cama sussura-me o sabor das essências deixadas pelo perfume dos corpos. E, no fundo, uma única memória do presente ecoa, abafando os gritantes desesperos dos mesmos dias ou as complicações inexplicáveis doutros que já foram. Aquela que se chama tu. Esse tu que adormece de palma da mão sobre um rosto cansado de tudo, mas sorridente ao sentir quente de qualquer coisa especial. Nome? Nós.
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1 de junho de 2008


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Dormir.
No silêncio.
No jovem sentir do erro, do equívoco, do que tem que ser.

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E nada mais.
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29 de maio de 2008

Pousada e dormindo

Tenho a caneta presa. Ferrugenta sem ter apanhado ar do mar ou ser de ferro, sem estar escura nem áspera. Gasta de muitas letras, mas ainda plena de voracidade, porém sem pingo de tinta escorrendo no papel. Ali pousada e eu aqui, sem lhe pegar nem saber se arrume ou deixe estar. Ao ar. Ao tempo. Outras vezes assim estancou e naturalmente recomeçou a andar nas ruas das histórias e dos acontecimentos encontrados nos dias e nas horas que correm. Outras vezes. Mas agora sou eu quem não lhe quer dar o empurrão, tão-pouco querendo que me reflicta ou a outra coisa qualquer. Porque preciso de ser eu, uma nova pessoa ou apenas um fantasma sereno, para valer a pena.
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23 de maio de 2008

João Pestana

À noite... à noite gosto de dormir. Barulhos, loucuras, copos, carros, luzes desfocadas num caminho que se percorre de cor. Não. À noite quero descanso, nevoeiro lá fora, chuva forte batendo enraivecida no asfalto, céu limpo deixando que brilhem estrelas quiça de um outro universo que não se auto-restrinja; seja como for, um fechar de olhos no regaço de uma lembrança ali ao pé. Escutar as músicas que me chegam ao sentir por entre os espaços do ar, contado histórias, mostrando cenas interrompidas de um filme inacabado. A simplicidade de um dia e outro. Sem a inutilidade de uma vida sobrevivida sem interesse, descartando a futilidade dos sorrisos, esboçados porque sim nos lugares de sempre. A tranquilidade de uma certeza. Sem a dúvida da certeza intranquila que agora é e devia ser outra coisa qualquer.
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À noite... à noite deito-me e gosto que me falem, na solidão, do silêncio sussurante lá fora, dos candeeiros que mostram o pontão àqueles olhos errantes que o fitam ao longe, da continuidade no abraço. Não. À noite queria descanso. Queria dias com letra maiúscula.
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22 de maio de 2008

4 tábuas

Histórias de vida são as que se publicam no fim, as que vão surgindo e crescendo ao sabor do tempo e do acontecer que lhe dá cor. São narrativas póstumas da alma, que as canta, errante, entre paredes outrora barreiras e agora cortinas de fumo.
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Não quero esperar para vê-las ganhar corpo quando nada mais for do que pó entre raízes. Já não poderei então prolongar momentos, discutir dúvidas, aliciar os vulneráveis. Não quero esperar por ter histórias de vida para contar. Quero antes uma borracha gigante para apagar a imensa inutilidade que tinge estes dias e sufoca o ar, que não respira, não se renova, não se inspira nem se permite respirar. E quero um lápis que escreva na água, para poder mergulhar no silêncio do mais longínquo dos lagos, sossegadamente assim abrir o caderno que ainda tem o teu perfume e cravar linhas dos dias que me levaram nessa viagem. Quero sentar-me na beira do rio e reler as palavras do meu mundo uma única vez, somente para não esquecer recados que queira dar aos aluados, esses que caminham em círculos apertados nas ruas bolorentas ou nas muitas avenidas ruidosas, perdidos no espaço, sequiosos de futilidades.

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E depois quero, quero, quero, assim tão-simplesmente, quero adormecer.
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17 de maio de 2008

Ponteiros

Não me digas que tens horas. Hoje, não as tenhas. Deixa lá fora o relógio, os ponteiros, o tempo que corre pela sua mão. Deixa longe de mim esse momento de partir; põe bem distante de mim a sina da ida. E não me digas que hoje tens horas. Não, hoje não. Esquece a outra gente, sê egoísta neste instante que agora é, mesmo que neste em que agora já escrevo, mais adiante na folha, tenhas que voltar à rectidão de Ser. Mas não me digas que tens horas. Leio todas essas palavras nesses teus grandes olhos que me fitam... só não consigo que os meus ouvidos escutem o que outros sentires já sabem. A hora em que as horas chegam e pronto. Fica o pouco e vai-se o muito.
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Deixa-me só dormir um bocadinho. Deixa-me fazer de conta. Deixa-me adiar o que não quero, não gosto, me incendeia de coisa nenhuma e... me faz sozinha.
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10 de maio de 2008

Falta-me...

Não se explica, esta coisa estranha que me devora por dentro, este sentir que me falta a normalidade dos dias, este querer que as horas passem. E o céu, que ora se escapa do azul, ora de enlouquece e reveste de luz que fere os olhos cansados do escuro, foge-me das mãos, viaja pelo universo e deixa para trás o chão cá em baixo, onde cada passo ecoa no vazio.
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Mas se isso não tem explicação corrida nesta tinta, muito menos a encontram meus pensamentos para aquele mundo paralelo que habita mesmo aqui ao lado. Onde se dorme sem saber, onde o sono chega sem pedir, onde com a permissão do sossego de alma, se abraça o confidente de todas as horas. Sem nome, com voz de mil coros sussurrantes, com aroma de aconchego da saudade que, maldita língua esta, tinha que trazer aos meus ouvidos.
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Onde se dorme sem saber...
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Onde a manhã chega nos braços da chuva, embalando de mansinho um sorriso quando as pálpebras se erguem no silêncio e vêem. Vêem ali mesmo, ao pé, no mundo real que avança noutro ritmo, o único sorriso verdadeiro que ilumina uns olhos acabados de acordar. Meus. E teus..

7 de maio de 2008

Wires

É um dia que acaba, depois de ter sido muitas horas e um Sol tímido que se mostrou já mesmo antes de ir dormir.
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Aqui, perto do cheiro a mar e perfume de rosas queimadas, vi adormecer o vento revolto, chegar a noite confusa, abraçando em espinhos os moribundos sem lugar seu e cama de ninguém. Peguei num livro de páginas mil e frases desencontradas, escutei os motores lá fora, partindo para longe. Li um excerto de nada de especial e os olhos detiveram-se uns segundos em notícias desinteressantes, empoladas na televisão como flictenas dolorosas após caminhada desgastante. Se fumasse, teria pegado no maço encurrilhado e saciado o vício inquietante, afogando a culpa da doença futura num café forte, amargo, fumegante. Ou teria até devorado um chocolate aromático, choramingando mágoas estúpidas momentos depois, no chão frio de mármore de um outro quarto. Apenas, pelo chegar ao fim de um dia de horas sem chuva, somente nevoeiro sem orvalho, nuvens sem geada. Apenas, pela lembrança de ninguém.
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Mas nunca assim realmente. Pela simples recordação viva de gente única e singular. Em número. E no Ser. Sim, no ser com letra destacada, pela simplicidade e conforto da alma que transporta ao sono atribulado que me visita sem pedir.
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5 de maio de 2008

XX 3

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O meu, este nosso tempo de estar. Uma forma de vida; uma parte de mim que me falta, depois de ter crescido vinda do nada, surgindo de tudo quanto poderia imaginar na plenitude do espírito, sempre que parto e não fico. Qualquer instante de silêncio absoluto, respiração calada, conversa em surdina. Qualquer... e cada fracção de hora que não conto e que corre. Tão depressa. Tão mais depressa do que o desejo.
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O meu, este meu tempo que cheira a ti, que sinto nos dedos como pele quente e de aroma... nosso.
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O casamento das almas. Muito além do dos Homens. E curioso. Nosso.
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30 de abril de 2008

Cordas

Há um saco muito grande, com fundo escuro, bafiento e bolorento, que guarda as coisas estranhas e sem sentido, oferecendo-lhes morada longe da luz. Uma espécie de baú de pano, húmido e frio, armário sem paredes, quarto escuro sem chão. E está no canto norte do meu quarto. Por fora, ainda com cor e adivinhando-se um nome pintado com tinta permanente, desbotada mas não envelhecida. Por dentro, maior do que o espaço que ocupa. Entre o fora e o dentro, a essência dos fantasmas presos entre dois mundos, bradando numa língua muito e só sua, quase sussuros aos ouvidos distantes da gente; gritando histórias de dor e passagens de tempos que não sei onde estão.
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Um saco de tecido espesso.
Ali deixado. Quantas vezes aberto e alimentado.
De quê?
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Lágrimas de tristeza sincera,
desorientação,
interrogação,
incerteza,
desconhecimento. De si. De tudo. Do nada que avança.
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Um saco que não se vê quando a gente se acerca da janela, se aproxima da luz ténue do canto norte ou se deita sobre o tapete macio numa noite embalada pela música do céu.
E que está ali.
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Vês?
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Não.
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Só eu.
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26 de abril de 2008

Águas

Houve assim um dia de chuva e depois um dia de sol. As formigas esconderam-se da humidade que lhes prendia as patinhas, as serpentes saíram das tocas para limpar a pele escamosa adormecida, ambas se cruzando apenas ao anoitecer dessa Primavera incerta, voraz no abafar dos gritos das pequeninas quase afogadas nas poças do caminho, sequiosa de aquecer o sangue do réptil viscoso, matreiro.
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Um dia de sol, um dia de chuva. E nada desse pequeno outro grande mundo nos chegou ao olhar. Preocupados com as horas estúpidas que passam nos nossos dias assim-assim.
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20 de abril de 2008

Neste dia, nesta hora e noutras assim

Chocolate, sabor intenso, negros grãos de paladar incandescente.
Vermelho vivo de vida, fruta dançante aromatizando o ar quente ao redor da gente, aguçando os sentidos com o seu toque fresco.
Pequenos quês, tão grandes que me dói a alma de pensá-los findos e se me alegra o espírito pela simples lembrança de serem reais. Coisinhas de nada que costumam ficar nas entrelinhas, mas que prefiro infinitamente mais sentir na pele quando tocar o papel do nosso tempo; agora, que ainda tenho nos recantos das mãos os contornos de ti, e depois, quando for dormir apenas com uma sombra e um perfume. O perfume, que se esvai nos dias com o vento da manhã percorrendo o meu quarto; o perfume, que nunca sai de dentro de mim.
Pormenores que talvez devessem ser apenas curiosidades, porém que cresceram e cresceram e cresceram e agora já não tenho olhos que vejam onde acabam. Apenas e somente braços que os envolvem no meu presente. Insignificâncias empoladas (?) pelo coração da escritora rebelde e orgulhosamente sem respeito pelas regras, sentidas pela inteligência da mulher, e uma e outra vez revistas quando dos olhos abertos apenas tenho a aparência e somente, isso sim, me fixo nas imagens projectadas por mim, em mim. As imagens animadas de nós. Quando a solidão chega no meio de tanta gente e outras incontáveis coisas, relevantes para tantos mas já sem qualquer animação, imprimindo a menor vibração a este ser; quando é escuro e, sem sono, apenas a lembrança de um respirar se deita ao meu lado. Quando podia escrever um livro de um trago de ar. Sobre a saudade. Sobre a certeza. Sobre as coisas simples.
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15 de abril de 2008

De relance

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Em cada mundo há mundos que se escondem por baixo da mesa, sob panos compridos cobrindo móveis bolorentos e húmidos, envelhecidos pelo passar dos dias no vazio dos quartos. Mundos imensos, construídos pelas vidas desengraçadas e coloridos por alguns, poucos, instantes de evasão. Momentos então e afinal, doutro planeta e não daqueles pequeninos mundos esquecidos no correr das horas. Mas sentidos na pele. Vividos nas semanas. Encarnados para sempre. Mesmo e, talvez sobretudo até, quando esforçadamente se os tenta esquecer.
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Nesses mundos, tantos, que vejo de olhos abertos ou fechados, há muito pouco que valha a pena. Escolhe se queres um pedacinho dessa maravilha.
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10 de abril de 2008

Descobertas


Quando os heróis perdem a piada, deixando de ser personagens do mundo perfeito, nascidas da perfeição do sonho, ficam as sombras sem reflexo, os contornos sem massa.

É nessa altura que se escrevem livros sobre a realidade, choram lágrimas de alegria pelo acordar para o efectivamente e se esquece o talvez.

É então que algumas conversas acontecem numa sala ocre fumada, concluindo-se sobre os porquês e outros quês do dia-a-dia, na companhia de um copo brilhante, no ombro de um conhecido das ideias e das rebeldias.

É então que a loucura se transforma em genialidade. Ou pela primeira vez é de facto descoberta enquanto tal.
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2 de abril de 2008

Perto

Fui passear ao Sol, como que longe das coisas e apenas perto do calor que queimava a minha pele, através da roupa, por entre os espaços do meu cabelo. Não me tinha apercebido que a temperatura subira e de que o cheiro das flores ja se acentuara, adocicando o ar, chamando os pássaros gulosos. Fui dar um a volta, arejar, esticar as pernas. Ver mães entrar de carro no jardim do colégio, avós de mãos dadas a petizes corados pela brincadeira, senhores aprumados nos seus carros, guiando rumo àquela reunião importante, jovens mulheres de aspecto duvidoso saindo de ruas desertas na zona chique.

Fui assim. E voltei.
Deitei-me nos braços da água quente relaxante, emanando mil aromas e reflexos. E assim fiquei.
Não queria acordar daquela viagem ao centro de nada e rica em tudo. Nos pormenores, nos contornos vislumbrados, no paladar do vento da Primavera que outros vivem. E mergulhei na espuma branca do alperce, que me tocava levemente as pontas do cabelo.
Lembrei-me dos minutos em que tenho voz e falo em silêncio. E senti um abraço acercando-se.

Um envolver conhecido.
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28 de março de 2008

Asfalto

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Percorrem-se passadiços, ao frio; caminhos ainda verdes de acrescentos, sem margens coloridas, perto da água revolta, dessas pequenas ondas emprestadas pelo mar ali ao pé.

Caras de muita gente diferente, correndo, brincando, dormitando, vagueando, cruzam-se no nosso caminhar e lembram-nos que há vidas para imaginarmos, por detrás do ar carrancudo ou prazenteiro dos seus rostos.

Existências que não vêem os mesmos contornos que nós.
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23 de março de 2008

Linhas

Este é o teu capítulo no meu livro. São as primeiras palavras do texto. Parte da história, contada na sombra das outras páginas. Parte da história do respirar, olhar, ver, sentir, ouvir, escutar, tocar, acordar, adormecer, saber e esquecer, que fazem de um corpo, um humano e de um ser assim, uma pessoa. A parte da história que construí com os pedacinhos quer recolhi de ti. E que é a calma e o reboliço; uma tão grande tempestade de silêncios e novidades de todas as cores... E há as mais brilhantes e a outras. Não gosto das outras. Fazem-te ficar de olhos tristes e perdidos, vagueando no mesmo sitio, envolto na penumbra da dúvida, esquecido no canto escuro da rua sem nome. Por isso não gosto delas; das outras cores das novidades. Mas quero guardar todos os vestígios da tua passagem seja por onde for, para poder sempre renovar esta história e contar, pelo menos, parte dela nas entrelinhas das minhas páginas escritas. A outra parte e esta também, no fundo, será para sempre vivida numa dimensão que talvez um dia seja percebida. Talvez. Quem dera.
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A certeza? Há uma escritora sobre o teu ombro. Até ao fim.
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22 de março de 2008

Despertar


O que vejo daqui são umas nuvens escuras, mais do que o azul que espreita brilhante de permeio, sem dúvida, que querem chover e molhar o chão por baixo dos meus pés. Umas nuvens também geladas, dispersas por cima da minha cabeça humedecida por uns quantos pingos irreverentes que se desprenderam e chegaram cá abaixo. Um céu que, posso dizer, vimos por esta altura certamente de todas as formas; assim soturno, imensamente denso de estrelas no pico do Verão, ou tão-somente infinito como sempre.
Acordo e ouço os carros que irrompem nas poças da estrada, molhando os passeios, salpicando as pedras do caminho.
O que vejo quando acordo é um nevoeiro que se dissipa, como no fim das histórias mágicas, qual ponto final no conto interrompido por um aparte, depois retomando a linha da narrativa. Esse nevoeiro que envolveu as esquinas na madrugada, escondeu corpos e mostrou vultos inominados na beira da estrada.
E lembro-me das horas que passam tão depressa, que correm desnorteadas e me escapam das mãos cerrados. Tão depressa. Simplesmente tão depressa. Adormeci e não te ouvi chegar. Boa noite atrasada. E bom dia agora.
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15 de março de 2008

Desconcerto

Deita-te comigo. Lê as histórias que te conto sem falar.
Está escuro
e o silêncio ouve-se atrás da porta.
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Posso deixar a cabeça cair em ti
e fazer de conta que as horas pararam.
Não te peço, olho-te nos olhos
e digo-te como estar sozinho enlouquece,
ali, sem ver a luz,
sem nada que valha a pena,
sem ninguém
a quem dizer
olá.
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E por isso deslizo um abraço.
E fico longe dali. Tão longe dali e de tudo o que se esconde nos becos do vazio.
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Tão perto de um boa noite.



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13 de março de 2008

Aconteceres

Uma vez vivida a perfeição, todos os pequenos quês desinteressantes e acontecimentos circunstanciais vazios de conteúdo, são nada mais do que nada; uma imensa perda de tempo e gasto desnecessário de sentimentos.
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Tocado o etéreo como jamais houvera quem o alcançasse, fica cá dentro o conforto desse instante, vivido num tempo e espaço deste mundo, porém certamente caído de um universo que não este. Porque sim, este infinito que cremos expandir-se e afundar-se no gritos abafados de buracos negros, tem um parente próximo; que vive dos nossos sonhos, ambições e momentos únicos de perfeição, a todos eles oferecendo morada eterna.
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Uma vez tocada a perfeição, as mãos agarram cada pedacinho de si e não deixam que fuja. Não deixam que escape do dia nem da noite que acontece; não se abrem ao desbarato e, antes, descerram-se lentamente ao Sol ou embaladas pelo perfume de uma vela na escuridão, oferecendo vida às memórias desse agora ou desse ontem que as coloriu e aqueceu. Nem que por uma vez. Nem que por um instante.
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Porquê? Tão simples, tão belo, tão misterioso quanto isto: pela serenidade sem preço que a perfeição de um olhar deposita no fundo de nós, para sempre. A perfeiçao que nos fala ao ouvido depois por dentro. Quando, sozinhos, adormecemos na sua companhia, procurando o sono. De corpo caído. De cabeça noutro mundo. Um daquele outro universo. Aqui tão perto.
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7 de março de 2008

Vistas

Já vi como vive a gente grande.

Vai andando.
Vai vivendo.
Sobrevive.

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Cada vez mais longe das coisas sem nome mas que se conheciam lá dentro.
Esquecendo o fabuloso.
Perto do mero possível.
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3 de março de 2008

Registos

Perdi a conta aos dias, às horas, a esse tempo que se conta. Perdi a noção do espaço, das ruas e dos lagos que se vêem e tocam e cheiram de forma tal que se não duvida da imortalidade do cantinho que ocupam na ordem das coisas. De todos perdi o rasto. Vejo sim rostos, risos, conversas, caminhares em passeios de cimento, degustações à sombra de um Sol que não queima. Mas de nenhum conheço a essência. De todos adivinho a natureza e delineio os contornos, porém qualquer deles se distancia de mim como o Universo se expande, para já, mais do que contrai. E, para já também, nesta relatividade que nunca se inventou apenas descobriu, prefiro que se não acerquem mais do que o necessário. Não lhes conheço a essência e o perfume que emanam não me deita por terra os sentidos estonteados; antes me nauseia sem motivo aparente, ou talvez bem mais enraizado do que se descubra à primeira incursão da enxada. Corpos então se movem neste redor, entre o vento que sopra e a chuva que cai, e o calor da carne queima-me o pensamento de passagem, de raspão, qual bala tocada pela sorte ou pelo azar majestral. Confunde-me as ideias e afasta quem sou para que a estrada se abra à sua passagem; não quero que se detenham mas que prossigam. Seja lá qual for o percurso traçado, seja o tempo que for e que previram perder até chegar lá. Onde? Ao lugar escuro ou radioso onde se deitam e repousam as almas que não quero conhecer. No fundo, porque perdi a conta ao tempo e a noção do espaço, jamais sendo pela mão daqueles conversadores, caminhantes ou gulosos, que quero encontrar novamente motivos para trazer essências aprazíveis à luz do meu dia que não amanhece.
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