28 de setembro de 2007

Do nascer ao... apagar?

Afinal, quando nascemos e somos um irritante recém-nascido capaz de induzir surdez neuro-sensorial no mais resistente dos humanos, produzimos mais energia por unidade de massa e de tempo do que o Sol.

E depois? Que é feito dela? Sume-se?
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Talvez as células entrem no marasmo e facilitismo que rodeia os corpos que por cá já andavam. Cansarem-se? Incorrerem num stress oxidativo inevitável por continuarem ávida e freneticamente a produzir e a consumir energia, num ciclo vicioso e interminável, senão pela morte?

Jamais.

Mesmo jovens e inexperientes no mundo cá de fora, parece que as nossas unidades básicas rapidamente adquirem maus hábitos.

Talvez biologicamente não o sejam na realidade. Seria incomportável preservar a dinâmica inicial. Seres bem mais simples do que nós fizeram e fazem-no ainda em ambientes da maior hostilidade; e até a uma escala bem maior. Mas com um custo elevado. O da fugaz existência. E as nossas células querem alargar o seu prazo de validade.

Porém, a outros níveis, essa verdadeira central nuclear poder-se-ia vantajosamente manter activa.

Não se perderia iniciativa.
Não se hesitaria.
Não se ficaria sentado esperando que outrem dissesse, fizesse, acontecesse, desaparecesse, chorasse.

Simplesmente tal seria impossível.

Nem sequer tempo haveria para dúvidas pseudo justificadas. Para medos infundados. Para receios de algibeira.
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Mas não é esta a realidade.
Abrandamos o metabolismo.
Refreamos a impetuosidade.
Envelhecemos logo, precocemente e mal. Muito mal.

Pior do que a visão de um céu cinzento no fim do Verão. Nele sempre há raiozinhos de Sol espreitando por entre as nuvens, mais tarde ou mais cedo.
Já nós, arrefecemos de tal forma que feixes luminosos como aqueles? Nem em sonhos deixamos que aflorem a superfície. Ou que sequer existam.

Porquê?
Recuperado de cadernos de Setembro '05

26 de setembro de 2007

Noite que é

Pesadelos que roubam o sono, histórias impartilháveis que afastam o descanso e assim acordam um corpo de si inquieto, entre a noite e a madrugada. Sem calor nem frio. E sem noção das horas.
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Apenas então um vaguear no silêncio dos corredores, pressentindo a geada lá fora. Pálpebras pesadas que carregam o seu peso sem lamúrias e não cobrem as íris preocupadas. Com tudo. E com nada, talvez.
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Talvez mesmo apenas com nada, porque rapidamente se perde a percepção dos motivos, os das das insónias e aqueles dos acordares em manso sobressalto.
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Quando morrer, sobrará tempo para dormir.

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23 de setembro de 2007

Over 18?

Tantas vezes tenho a nítida sensação e a real percepção, de viver (n)uma história censurável, daquelas em que o senso comum mandaria se pudesse, contudo que apenas observa à distância, sem poder alcançar a minha cabeça pensante, o meu sentir sem máscaras, o meu desejo ajuizado. Uma história passada num mundo todos os dias pisado, porém atulhado de portas que poucos ousam abrir; certamente por falsos receios, vergonhas impostas (acredito que até a si próprios) e, inegavelmente, pela ausência de real cumplicidade (notória nas suas incompletas faces) para ir mais além; àquele algures encontrado pela minoria que, como eu, partilha mais do que horas bem passadas, entrelaçando-se num pensar e sentir contínuos e não somente contíguos, sem farsas, sem faz-de-conta.
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Tenho pois tantas e tantas vezes a percepção real e não apenas a sensação ténue, de confessar em silêncio recantos escuros e sombrios, pressentindo parte de mim já do outro lado. O lado que se aproxima cada vez mais. Como cada vez mais também permite que se tornem reais, instantes de tempo suspenso e cabeças perdidas. Ou achadas...
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Num lugar em que a consciência dos minutos desaparece;
O sentido do que é o resto que não nós, se esfuma;
Os olhos percorrem cada detalhe do corpo alerta que têm nos braços;
O cenário não mais importa, esquecido que foi o espaço terreno;
Os figurantes nada mais são que transeuntes chocados pela imaginação do pecado que em tudo vêem (sem sequer entenderem qual o seu real significado);
Os perfumes geram um híbrido inebriante, já sem essência masculina ou aroma feminino, antes único e cravado em todos os milímetros de nós;
E os sussuros... esses dizem apenas aquilo que os outros sentidos já adivinharam e contaram ao ouvido ou deixaram escrito a fogo na pele arrepiada.
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E que é, no fundo, tão simples: o desejo autêntico de estar ali, naquele exacto momento e espaço, contigo, num abraço perpétuo em que os dois contornos se esbatem e apenas um vulto se distingue no escuro, único, despretensioso; numa entrega que se sabe impossível sem a segurança e o amparo instintivos, não só mas certamente de especial forma, quando tudo o resto nos deita abaixo, esquecendo a singularidade que pauta a existência que levamos nos meandros desta cidade, desta gente que olha de soslaio sem saber o que perde...
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Talvez tenha também, em momentos incaracterizáveis, uma névoa.
- O que acontecerá, quando apenas os dois que somos nós, entenderem e quiserem viver na loucura do desejo do nosso filme para maiores de dezoito, na sanidade das conversas sérias, nos silêncios à beira-rio, nos sorrisos ao amanhecer, na ambição sem fim destas duas vidas? Será a cumplicidade que se instalou bastante para continuar?
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E uma resposta, imediata.
- O mesmo que agora acontece. Porque vale a pena completar as nossas perfeições inigualáveis, com os detalhes que as diferenças deste eu e desse tu, enriquecem. Mesmo que se corra o risco de ter que explicar o inexplicável. Ou manter o mundo na ignorância. Tanto faz, sinceramente. Porque te conheço no escuro..

22 de setembro de 2007

Linhas escritas

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O que se escreve nasce de sítio nenhum ou de simples observações, acontecimentos, julgamentos, perdas, vitórias, passeios errantes, sorrisos perdidos, lugares mágicos, viagens inacabadas, sonhos perpétuos, noites enevoadas, leituras ocasionais.

O que se escreve e como se escreve vem de todos estes pontos dispersos e fortifica as palavras residentes cá dentro, partilhadas então com o papel ou também contigo, inominado leitor de frases que embelezam livros raros, folhas rasgadas, diários abertos.

O que se escreve evoca sensações sem fim e surpreende a mão que suporta a caneta, mostrando mundos longínquos ao escritor, colocando-o perto de si mesmo como nunca pensou poder estar, desvendando-lhe emoções e reavivando memórias que julgava esquecidas.

O que se escreve, enfim, procura para si sons que completem os textos perdidos na sua solidão muda, dançando então cada letra ao vibrar do acorde mais suave. E chorando assim por vezes a mão que lhes deu corpo. Por então sentir. E viajar em si própria ao sabor das palavras que transcreveu, da música que lhe canta baixinho ao ouvido, das recordações que lhe chegam ao peito quando uma imagem ganha forma. Aquela que completa o som e a palavra. Seja real, ou imaginada.
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O que se escreve é isto. Simplicidade. Pressinta-se um quarto vazio, uma cadeira que ainda baloiça, uma noite mal dormida ou um amanhecer ao teu lado.

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20 de setembro de 2007

Vê-se...

... e sente-se uma pequenez enorme, quando se olha nos olhos a perda de sentido. Aquela imensa confusão chegada de repente, porém instalada ao longo de um tempo mal medido e longe do presente que a traz consigo.
Sente-se a falta de palavras e escuta-se sem precisar de ouvidos, o discurso intercortado, inacabado, como que deixando fugir ideias demasiado penosas para chegarem à voz. Aquela ausência de explicação quando tudo o que se lê naqueles olhos era encontrar a mais simples que fosse, para acalmar um coração atormentado.
Sente-se o tom baixinho da confissão impossível, porquanto ininteligível aos demais e calada àqueles de todos os dias.
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Enfim, sente-se a pessoa. Que pensa, vive, caminha, acredita, ambiciona. Aquela que sente e cresce a cada dia sem barreiras que lhe consigam travar o enriquecimento do ser.
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E ao sentir a pessoa, a pequenez que poderia rondar a impotência, transfigura-se num sorriso, num abraço, num silêncio; cresce depois um bocadinho, ganhando força de palavra dita ao sabor do pensamento. De um pensamento que assimilou os sentires e falou depois de mansinho.
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Quem me dera não perder de vista aqueles olhos, aquele sentir, aquele ser, aquela pessoa. Vale a pena. Nem que por um momento. Seja de sorriso rasgado ou de pensamento vagabundo, que me chegue à porta, aos olhos, ao abraço.
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17 de setembro de 2007

Palavras soltas...

... correm hoje sem escrita, errantes num caminho sem setas nem guias, perdendo-se naquelas folhas que são lidas num tempo sem hora marcada, por olhos de mil cores e profundidade sem fim.

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E dou então assim hoje primazia aos sons. À mensagem que as palavras cantam fora do papel. Àquela que quero que voe até chegar ao destino que conhece; afinal, o único com alguma luz acesa e quente.

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14 de setembro de 2007

All in All

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"- Vou ler um bocadinho. Até amanhã."
E mais não é preciso. É noite. O jantar já foi. E toda a gente está em casa, preparando-se para sair ou para ficar no descanso de um lugar acolhedor.
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É apenas discurso recorrente, comentário com barbas para não ter que ficar ali; sem vontade de conversar, sem o mínimo interesse nas figuras que povoam a televisão ligada, completamente indiferente às imagens das revistas que espelham o mundo lá fora, imensamente longe daquele lugar.
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São apenas palavras inconsequentes, não concretizadas ao passar a porta do meu reduto. No fundo, nem leitura nem escrita. Nada. Apenas um acender de luz ténue, numa tentativa de coisa nenhuma ou de afastar o escuro que dança nas paredes altas e que nem o luar lá fora consegue clarear.
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Somente um sentar e recostar na cama desconfortável, olhando não sei para quê, porquê ou até quando. Por vezes cruzando as pernas, algumas outras abandonando o corpo à inércia. Sentindo vontade de nada dizer nem fazer e ficar só ali. Só. E ali. Sem mais nada. Sem contar o que for a quem quer que seja. Não esquecendo a dúvida, porém ansiando por não ser assim. Por não estar assim. Sem querer. Sem gostar. Intringando quem ousa perceber, infelizmente.
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Nada mais do que silêncio por entre acordes que ainda vão entrando naquele quarto. Um silêncio de alma, pensamento, sentimento. De tudo. Que cresce quando o sono se escapa por entre os dedos, esse sono que teme a manhã, a madrugada e a noite que ainda é.
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E uma lágrima que não corre.
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"- Vou ler um bocadinho. Até amanhã."
E mais não é preciso. Ninguém tem que saber que os livros há muito não são desfolhados. Esquecidos e evocados sob a máscara da desculpa evitante.

12 de setembro de 2007

Visões reais

NYC
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Vi hoje mil cores ao sair de casa, num céu que noutros sítios se carrega de tons escuros e humedecidos pela água que um dia esteve cá em baixo, bem perto deste rio que tenho ao pé. Nesse mesmo imenso céu que amanhecia em tons de azul, chegando mais perto do chão pelo vento quente que chegara na madrugada ida, anunciando o calor de um dia fora de tempo. Mas não de lugar.
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Com essas cores continuei, percorrendo estradas apinhadas de gente apressada, com destino mas sem vontade de chegar; querendo, enfim, apenas ficar. E olhar as cores que pude eu apreciar sobre a cidade ainda adormecida, lançando no esquecimento o desalento de um dia igual a tantos outros, em vidas outrora sonhadas e agora somente sobrevividas.
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Olho agora através da janela e continuo a decobrir essas cores por entre o betão silencioso.
Talvez tenham sido elas que o calaram.
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10 de setembro de 2007

E não tarda dormirei uma vez mais

Summer Night, Dali
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Adormecerei sentindo ainda o respirar sereno, sussurrando num abraço um fica ao meu lado que não precisa ser pensado, quanto mais falado na voz dos mortais.
Cairei na cama escutando o silêncio lá fora, nem sequer perturbado pelos animais da noite ou um bafo de vento rebelde. Apenas, escuridão e silêncio; aqueles companheiros do sono e da falta dele, contando as histórias que conheço de cor e tantas outras vindas do futuro esbatido, ali mesmo, ao dobrar da esquina.
Tomar-me-á a necessidade de dormir, até novamente olhar os números no relógio e ser tempo de levantar o corpo e acordar a nunca dormente cabeça mergulhada na almofada horas antes.
Em poucos minutos, apagar-se-ão as luzes suaves do quarto, os perfumes ganharão nova vida na penumbra, os sulcos deixados por lágrimas fugidias cravar-se-ão mais fundo na pele, fundindo-se com o rosto inquisidor de sempre, e a música que agora canta baixinho ao ouvido, cessará de ecoar. Talvez perdure uma oração sem nome, até desaparecer a força que mantém ainda abertos estes olhos contadores de tudo e guardiões do absolutamente impartilhável.

9 de setembro de 2007

Acordei assim

Narciso, Dali
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Na alegria plena, na tristeza arrebatadora e sufocante, na vibrante felicidade eterna, no desespero intolerável, talvez roguemos, agradeçamos, rezemos, conversemos, supliquemos ao mesmo Deus. Será então mesmo preciso por de parte os instantes de silêncio em conjunto, aprendendo com as diferenças, e cair na banal crítica barata e desprezo mesquinho? "- Não!", dir-me-ão indignados os interlocutores, para logo e ao virarem costas, lançar em todas as direcções olhares, gestos e palavras abafadas na vergonha da sua pequenez. Pobres diabos.
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7 de setembro de 2007

Entre vírgulas

Um quase não ter sono mas uma vontade grande, tão imensa como o medo do escuro das crianças assustadas, de dormir sem saber onde acordar. Um olhar demorado àquele céu calmo, sem saber bem se sair do carro já frio ou ficar todas as horas da noite nos degraus quentes a poucos metros dali. Uma passagem breve pela escrita outra vez. Falando palavras no papel, emudecidas pela turbulência do pensamento.


Lost old church (caught somewhere sometime ago)
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Caminhar sem saber se são nossos os passos que estremecem o chão por onde vagueamos sozinhos, contorce a essência de nós e distorce a imagem reflectida aqui, além, algures. E chegada a hora de parar e decidir sem opções, quebra-se o encanto da ilusão. Outra vez. Ou pela primeira vez. Realmente. Profundamente.

Resta uma presença. Um silêncio despretensioso. O único que permite que grite sem proferir palavra, chore melodiosamente, olhe e diga o que já sabe sem discursos banais.
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Até amanhã.
Vou até lá fora outra vez. Ou então apenas à recordação do calor das estrelas que retenho.
Na companhia de um perfume.

4 de setembro de 2007

Cores invisíveis

Estive a olhar para aquele vazio uns minutos.
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Lá para Norte na Europa, Agosto '07
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Vazio ou simplesmente despido de adornos dispensáveis, porque, no fundo, via-se ali muito mais do que nas estreitas ruas da cidade apinhada de gente perdida. Uma extensão imensa de água sobre fundo escuro e rochoso, extraordinariamente calma e adormecida, por acaso. Muito serena e contrastante com o frio agreste que um vento aguçado trazia contra a minha cara queimada, aqui e além, pelo Inverno antecipado. Oposta até à chuva pesada do norte que caía, qual cortina cistalina, naquele palco onde não me importava de caminhar. Quem sabe até onde. Quem sabe porquê.
Fitei o horizonte o mais longe que os meus olhos cansados podiam alcançar naquela hora silenciosa. Uma gaivota. Duas. Sobrevoando rochedos esguios numa esquina do que a minha visão permitia ver, detendo-se apenas ao pousar em porto seguro, adivinhando a noite de tempestade que se preparava lá longe, onde o mar caminhava para tocar outras terras, e que num piscar de olhos chegaria também ali. À areia onde por minutos de ausência, perdi a noção do tempo. E recordei apenas vultos familiares. E um perfume. Cúmplice.

Agosto '07 @ Mar do Norte

2 de setembro de 2007

O que adivinharam paredes e móveis

Apesar de tudo, foi um acordar frio. Sentia-se o silêncio pesado, esmagador, da casa vazia de outras respirações serenas tranquilamente chegando à madrugada de um dia nascente. Um silêncio que percorria as paredes matizadas por sombras de cortinas mal cerradas, entrava neste quarto e naquel'outro, soprava ao ouvido e arrepiava o corpo já acordado para as horas de luz a chegar.
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Reinava, de trono altivo e majestral, a ausência. Simplesmente a ausência: de uma réstia de crença, de uma vontade de qualquer cor, de um perfume cumprimentando consigo fosse o que fosse que se escondesse sob as saias de vultos mal definidos no cinzento das esquinas.
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Por momentos e apesar de tudo, o corpo ficou pequenino e insignificante, perdeu-se nos lençóis e desapareceu na incerteza de si. Vigiado por paredes e móveis esguios, estátuas gélidas ao vento, inertes, de olhos intensos, perscrutantes.
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Captado ali fora em Agosto '06

Apesar de tudo, foi um acordar. Instantes. Somente.