28 de fevereiro de 2007

Minutos

E quem [me] olhasse hoje, naqueles minutos nascidos para a eternidade, veria decerto o brilho de água salgada e cristalina nos olhos, fixos nas vozes, nos acordes, nos gestos. Reconheceria as memórias de dias passados perscrutando vivências sem igual. Saberia do valor do sorriso daqueles rostos conhecidos e... da saudade e conforto ao sentir a oferta de uma capa já com algumas recordações.





Talvez não percebesse tudo.
Mas certamente silenciar-se-ia ao ouvir o silêncio do sentimento.

27 de fevereiro de 2007

Fez-se luz

Saber ler sem se distinguirem palavras escritas, é um desafio. E talvez nem tanto pela dificuldade, mas sem dúvida pela dedicação à causa [e consequência, porque não] inerente a esse embarcar e viajar sem saber [nem bem, nem mal] onde e como se chegará.

Ler um piscar de olhos, um franzir de sobrolho, uma ruga ao canto da boca, a pele arrepiada ao mais leve toque... toda a gente sabe? É... inato? Não comento; deixo no ar a questão que já vi respondida.

Ver lá no fundo do olhar, isso é outra história. Não temo dizer [e contrariar uma imensidão de convictos] que é mais fácil falar do que... bem, não é preciso completar. Até, porque ler o que se vê nesse lugar de refúgio, está ainda mais limitado [a quem não sei bem, nem encontro traços comuns nos capazes; antes lhes leio nesse local escondido um carinho e inteligência sem igual; apenas isso. E talvez o desejo imenso. Puro. Simples. Inquestionável. Imutável.].

20 de fevereiro de 2007

Uma doente peculiar


Fere assim tantas susceptibilidades ter uma mente um pouco mais aberta e, pelo menos, não descartar desde logo diferentes formas de pensar, de agir, de ser?
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Honesta e sinceramente, anseio que não, caso contrário verei a minha conotação pontual de bruxa, definitivamente provada e exposta [para e por quem assim quiser] por não ter terminado aquela consulta e, com ar de altiva superioridade, atestado desde logo loucura àquela mulher pequenina e franzina que estivera diante de mim nos últimos minutos, repleta de convicções fora do comum e certa das suas capacidades extra-sensoriais. Yo no creo en las brujas, pero que las hay, las hay...


Sincera e honestamente, até que não seria pior se as suas palavras, fruto de conversas com quem já partiu e se imortalizou na santidade, fossem realidade... dar-me-iam uma qualquer segurança e calma, motivação e crença, gosto e prazer, que perdi na mais repudiada sucessão de momentos... dar-me-iam o rumo que já não sei se quero.
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16 de fevereiro de 2007

Aquela estória

Martelava agora, insane e incessantemente no fundo da cabeça, a mesma ideia; aquele mesmo certo pensamento que a pusera no limite das suas forças. .
Os tantos porquês que deixara surgir noutros dias, nada mais eram do que pedaços de nada; havia muito que perdera a vontade de encontrar justificação para o vacilar daquelas horas. Mas a tal mesma ideia, continuava ainda de pedra e cal, enraizada lá no fundo.
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Justificava-se perante si própria, argumentando
[i]logicamente na esperança de apagar o mal que fizera [a quem, afinal? Talvez ao seu próprio coração, não sei, apenas narro uma história] num suceder de dias nitidamente irreais [ou quiça bem mais palpáveis do que queria recordar e, sobretudo, acreditar], ainda ao alcance de um estender de mão. Abanava a cabeça, sacudia da razão o martírio que criara, fixava o olhar no outro lado da rua, numa montra colorida de um estilista de renome... Lembrava-se de lá entrar, de passar minutos sem fim por entre carteiras de todos os feitios, lenços discretos, sapatos subtis. Lembrava-se, mas já não sabia quando nem sequer porque deixara de visitar aquele refúgio das ideias. Agora, olhando do outro lado da rua, nada via com clareza e somente permitia perder-se longe da tormenta que, de mansinho, lhe chegara um dia. Ouvia os ruídos da cidade, refugiava-se nos sons do bulício citadino, em vão buscando abafar o ruído do pensamento [diria até do sentimento...] incómodo que lhe dizia, em tom pausado, ser humana e então capaz de sentir e reagir assim. Mas não, nada lhe servia de consolo. Sabia bem demais que fora um erro deixar-se levar pelo instinto, pelo momento, pela ilusão da irrealidade de um aqui e agora só seus. Não, não podia conceber que explicação alguma existisse e esconder-se sob a máscara da falibilidade da natureza humana [bem mais insegura e duvidosa do que se possa crer], não era sequer hipótese admissível.
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Questionava-se vezes sem conta, mesmo que já não porquê e agora antes donde, teria afinal surgido aquele jogo em que entrara sem se aperceber. Vinha-lhe à memória um dito comum - "tens alguém por companheiro, mas não deixas de ter sentidos, sentimentos e emoções; isso tornar-te viva, atenta... forte e vulnerável" - e admitia, já sem saber se com pesar, ter mergulhado num conto inacabado por responder aos sentidos
[resposta, não se pode deixar de frisar, natural e reflexamente fisiológica].
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Uns olhos cor de avelã, profundos como o mais distante dos poços, reveladores sem contar toda a verdadeira história, um sorriso imperceptível mas constante, uma voz perturbante, um gesto com a medida exacta de certeza. De tudo se apercebeu a pouco e pouco. E de tudo se embriagou. Os seus próprios olhos tinham um brilho diferente, não melhor nem pior, simplesmente diferente. Bem lá no fundo, deixou-se levar pela novidade, pelo interesse renovado, pela curiosidade que a sua comum pessoa suscitava, até que lá desse fundo emergiu uma atracção que não negou. Porque... porque nada lhe faltava, nem quem dela gostasse ou a compreendesse e estimasse... mas porque... não conseguia ficar indiferente. Simplesmente não era capaz de resistir ao desconhecido, porém longe de tenebroso ou assustador. Tal como o não fora com o namorado... e isso sim, assustava-a [ou começou a fazê-lo num instante que a cortou em dois e gelou todo o sangue vermelho]..
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Como pudera ser capaz? Deixar-se dividir assim, sem mais nem porquê? Sempre pensara ser razoável, certa do seu pensamento, dona do seu agir. Donde viera aquele comportamento dissimulado? O engano? Como lhe doía o peito! Como queria contar toda a sua fraqueza! E como temia a sinceridade... e aquele outro olhar que a cativara havia já tanto tempo.
Nenhuma escola barulhenta por onde passasse abafava o grito que lhe crescia no peito. Era castigo merecido. Mas... insuficiente. Teria coragem para contar que fraquejara? [Não duvido que sim. Questiono antes se quereria...] Que fora uma vulgar infiel? A vida, afinal, não tinha desfechos hollywoodescos, longe disso; procurá-los era adiar a dor da realidade.
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Quantas ruas lavou com lágrimas de raiva, não sei.
Muitas. Imensas.
Quantos dias vagueou naqueles fins-de-tarde sem sentido, imagino apenas um número utópico.
Certezas já não tinha, dúvidas já não procurava perceber quais eram, desejos queria esquecer, saudade... tinha de tanto e de tão pouco..
Parecia tudo um sonho mau, um pesadelo sem fim que desejava apagar do Tempo e do Espaço. Mas não era... a dor que tinha era quase palpável e bebia-lhe, gota a gota, a determinação e a alegria.
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Talvez um dia a volte a encontrar, olhando de longe as lojas onde deixara sorrisos espontâneos. E, quem pode dizer, talvez perceba, do seu olhar, gesto e perfume, se a tormenta passou.
Jan '07

11 de fevereiro de 2007

Manhã de D. Sebastião

Saí cedo, pouca gente pisava as ruas silenciosas. Estava um frio pouco frio e diferente do gelo agreste que tem cortado os últimos dias. O que via e sentia no ar, mesmo sem abrir os olhos, eram incontáveis e pequeninas gotas de água, fundidas numa névoa cerrada, húmida, dispersa desde rente ao chão até ao cimo das torres mais altas da cidade. O que via e sentia no ar, porque conhecia, afinal, de cor e de perto, era o cinzento esbatido do nevoeiro, quantas vezes sufocante, mas sempre misterioso e companheiro, da minha terra.

Caminhei na avenida, galguei ruas antigas, ouvi raras aves nas árvores e ainda menos vozes humanas. Dei comigo perdida em pensamentos simples, absorta em contradições sem importância, consciente de como me sentia confortável naquelas encruzilhadas citadinas, num dia sem sol reluzente, sem chilrear barulhento, apenas rodeada pelo silêncio de uma manhã em que o Tempo parecia suspenso no ar; detido diante do agora, quiça olhando para ontem e pensando num amanhã que chegará mais tarde.

E, de regresso a casa, àquele cheiro familiar de café acabado de fazer, ao som de mil acordes descobertos por acaso e sentido no rosto a humidade da manhã enevoada, recordei imagens, frases, pensamentos, verdades e mentiras de uma história simples; fragmentos de uma vida comum que se [re]descobre sem ter procurado ser diferente; banais acontecimentos que falam na primeira pessoa a quem os vê e ouve, envolvendo os sentidos na agudeza da mensagem.



É o que acontece quando caminho pela cidade e divago nas memórias de um filme inesperado.


10 de fevereiro de 2007

E toda a noite a chuva veio...

E toda a noite não parou,
E toda a noite o meu anseio
No som da chuva triste e cheio
Sem repousar se demorou.
E toda a noite ouvi o vento
Por sobre a chuva irreal soprar
E toda a noite o pensamento
Não me deixou um só momento
Como uma maldição do ar.
E toda a noite não dormida
Ouvi bater meu coração
Na garganta da minha vida.

Fernando Pessoa

3 de fevereiro de 2007

Folhas de alguém

"Estive nos Açores.
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Diante da imensa beleza da Lagoa do Silêncio, custa imaginar que tamanha beleza não tenha sido imaginada com encantamento por ninguém - um arquitecto, excêntrico ou visionário. Ela [a Lagoa do Silêncio] pareceu tornar-me feliz, só por estar ali. (...)
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Eu sei que a beleza e o silêncio parecem ser mundos perdidos... E não sei se do silêncio se chega mais depressa à beleza. Sinto que sim. Mas acho que não chega estar vivo para se ser feliz. Precisamos de ser imaginados com encantamento por alguém. Não precisa de ser um arquitecto, excêntrico ou visionário. Nem uma mãe, por fora, para sempre ao pé de nós. Mas alguém que nos permita meditar, que nos aconchegue ao mundo, discretamente, que - entre o burburinho dos gestos - nos escute, mesmo sem falarmos e, de surpresa, se transforme na nossa Lagoa do Silêncio."
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Eduardo Sá
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