11 de fevereiro de 2007

Manhã de D. Sebastião

Saí cedo, pouca gente pisava as ruas silenciosas. Estava um frio pouco frio e diferente do gelo agreste que tem cortado os últimos dias. O que via e sentia no ar, mesmo sem abrir os olhos, eram incontáveis e pequeninas gotas de água, fundidas numa névoa cerrada, húmida, dispersa desde rente ao chão até ao cimo das torres mais altas da cidade. O que via e sentia no ar, porque conhecia, afinal, de cor e de perto, era o cinzento esbatido do nevoeiro, quantas vezes sufocante, mas sempre misterioso e companheiro, da minha terra.

Caminhei na avenida, galguei ruas antigas, ouvi raras aves nas árvores e ainda menos vozes humanas. Dei comigo perdida em pensamentos simples, absorta em contradições sem importância, consciente de como me sentia confortável naquelas encruzilhadas citadinas, num dia sem sol reluzente, sem chilrear barulhento, apenas rodeada pelo silêncio de uma manhã em que o Tempo parecia suspenso no ar; detido diante do agora, quiça olhando para ontem e pensando num amanhã que chegará mais tarde.

E, de regresso a casa, àquele cheiro familiar de café acabado de fazer, ao som de mil acordes descobertos por acaso e sentido no rosto a humidade da manhã enevoada, recordei imagens, frases, pensamentos, verdades e mentiras de uma história simples; fragmentos de uma vida comum que se [re]descobre sem ter procurado ser diferente; banais acontecimentos que falam na primeira pessoa a quem os vê e ouve, envolvendo os sentidos na agudeza da mensagem.



É o que acontece quando caminho pela cidade e divago nas memórias de um filme inesperado.


3 comentários:

jumpman disse...

E na minha mente, ao ler cada palavra, surgiram-me imagens de tal passeio.

Como que se tudo tivesse aqui, à distância de um sentido.


***

Chris disse...

Que texto tão descritivo, como se fosse o leitor a passear por essas ruas, saborear esse café...

Belo texto...

Beijo
(:

MeninaLua disse...

que palavras tao meigas...

*beijo*