16 de fevereiro de 2007

Aquela estória

Martelava agora, insane e incessantemente no fundo da cabeça, a mesma ideia; aquele mesmo certo pensamento que a pusera no limite das suas forças. .
Os tantos porquês que deixara surgir noutros dias, nada mais eram do que pedaços de nada; havia muito que perdera a vontade de encontrar justificação para o vacilar daquelas horas. Mas a tal mesma ideia, continuava ainda de pedra e cal, enraizada lá no fundo.
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Justificava-se perante si própria, argumentando
[i]logicamente na esperança de apagar o mal que fizera [a quem, afinal? Talvez ao seu próprio coração, não sei, apenas narro uma história] num suceder de dias nitidamente irreais [ou quiça bem mais palpáveis do que queria recordar e, sobretudo, acreditar], ainda ao alcance de um estender de mão. Abanava a cabeça, sacudia da razão o martírio que criara, fixava o olhar no outro lado da rua, numa montra colorida de um estilista de renome... Lembrava-se de lá entrar, de passar minutos sem fim por entre carteiras de todos os feitios, lenços discretos, sapatos subtis. Lembrava-se, mas já não sabia quando nem sequer porque deixara de visitar aquele refúgio das ideias. Agora, olhando do outro lado da rua, nada via com clareza e somente permitia perder-se longe da tormenta que, de mansinho, lhe chegara um dia. Ouvia os ruídos da cidade, refugiava-se nos sons do bulício citadino, em vão buscando abafar o ruído do pensamento [diria até do sentimento...] incómodo que lhe dizia, em tom pausado, ser humana e então capaz de sentir e reagir assim. Mas não, nada lhe servia de consolo. Sabia bem demais que fora um erro deixar-se levar pelo instinto, pelo momento, pela ilusão da irrealidade de um aqui e agora só seus. Não, não podia conceber que explicação alguma existisse e esconder-se sob a máscara da falibilidade da natureza humana [bem mais insegura e duvidosa do que se possa crer], não era sequer hipótese admissível.
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Questionava-se vezes sem conta, mesmo que já não porquê e agora antes donde, teria afinal surgido aquele jogo em que entrara sem se aperceber. Vinha-lhe à memória um dito comum - "tens alguém por companheiro, mas não deixas de ter sentidos, sentimentos e emoções; isso tornar-te viva, atenta... forte e vulnerável" - e admitia, já sem saber se com pesar, ter mergulhado num conto inacabado por responder aos sentidos
[resposta, não se pode deixar de frisar, natural e reflexamente fisiológica].
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Uns olhos cor de avelã, profundos como o mais distante dos poços, reveladores sem contar toda a verdadeira história, um sorriso imperceptível mas constante, uma voz perturbante, um gesto com a medida exacta de certeza. De tudo se apercebeu a pouco e pouco. E de tudo se embriagou. Os seus próprios olhos tinham um brilho diferente, não melhor nem pior, simplesmente diferente. Bem lá no fundo, deixou-se levar pela novidade, pelo interesse renovado, pela curiosidade que a sua comum pessoa suscitava, até que lá desse fundo emergiu uma atracção que não negou. Porque... porque nada lhe faltava, nem quem dela gostasse ou a compreendesse e estimasse... mas porque... não conseguia ficar indiferente. Simplesmente não era capaz de resistir ao desconhecido, porém longe de tenebroso ou assustador. Tal como o não fora com o namorado... e isso sim, assustava-a [ou começou a fazê-lo num instante que a cortou em dois e gelou todo o sangue vermelho]..
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Como pudera ser capaz? Deixar-se dividir assim, sem mais nem porquê? Sempre pensara ser razoável, certa do seu pensamento, dona do seu agir. Donde viera aquele comportamento dissimulado? O engano? Como lhe doía o peito! Como queria contar toda a sua fraqueza! E como temia a sinceridade... e aquele outro olhar que a cativara havia já tanto tempo.
Nenhuma escola barulhenta por onde passasse abafava o grito que lhe crescia no peito. Era castigo merecido. Mas... insuficiente. Teria coragem para contar que fraquejara? [Não duvido que sim. Questiono antes se quereria...] Que fora uma vulgar infiel? A vida, afinal, não tinha desfechos hollywoodescos, longe disso; procurá-los era adiar a dor da realidade.
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Quantas ruas lavou com lágrimas de raiva, não sei.
Muitas. Imensas.
Quantos dias vagueou naqueles fins-de-tarde sem sentido, imagino apenas um número utópico.
Certezas já não tinha, dúvidas já não procurava perceber quais eram, desejos queria esquecer, saudade... tinha de tanto e de tão pouco..
Parecia tudo um sonho mau, um pesadelo sem fim que desejava apagar do Tempo e do Espaço. Mas não era... a dor que tinha era quase palpável e bebia-lhe, gota a gota, a determinação e a alegria.
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Talvez um dia a volte a encontrar, olhando de longe as lojas onde deixara sorrisos espontâneos. E, quem pode dizer, talvez perceba, do seu olhar, gesto e perfume, se a tormenta passou.
Jan '07

3 comentários:

Anónimo disse...

Olá!

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todos os dias falamos de um filme diferente

Paula e Rui Lima

jumpman disse...

Uma estória que agora vê a luz do dia.

Uma estória que poderia muito bem ser o retrato de muitos que habitam nesta esfera..


***

Chris disse...

bela estória...
que mais dizer...

Beijo (: