30 de dezembro de 2007

No ar, no ouvido, por todo o lado.

Há quanto tempo não ouvia e revivia, aqueles tempos desaparecidos antes de ser eu sequer um milímetro de gente. Toda a casa vibrava, sem ferir os ouvidos nem vidro algum se partir, ao som, para alguns triste e melancólico, para mim envolvente e mágico, de músicas imortais dos anos difíceis da América pós crash bolsista. Sim, ao som de interpretações esquecidas em salas de todos os tamanhos, cores, feitios, decorações e públicos, por vezes turvas pelo fumo chique, quase sempre inebriantes, inevitavelmente trazendo calafrios à damas, cavalheiros ou acompanhantes de luxo. Porquê? Porquanto contava então como agora, histórias de lágrimas, de sorrisos, de corações apertados, de choros de criança forçada a crescer depressa de mais, de paixões impossíveis (se existirem), de noites frias depois do amor descartável por detrás da boquilha. Porquanto a voz poderosa, oscilando entre silêncios melodiosos e canto sentido, ganhava terreno dentro de cada um dos presentes e, apertando a garganta dos ausentes que a recordassem, contava-lhes uma história familiar. No fundo, a sua; para lá dos casacos de peles, da traça carcomendo os tapetes outrora vistosos, dos trajes pesados sobre corpos que apenas queriam descansar. Nada mais. Apenas dormir serenamente. Olhando o céu escuro lá fora, contando estrelas de sorriso nos lábios, sentindo uma mão na sua. Um toque que traria sonhos de sossego e esperança. Mas aquela verdadeira. A tal que não esmorece e um dia, num acaso, aquece de novo por dentro.

Toda a casa vibrava secretamente ao som que escolhi para comigo acolher a noite. E ninguém se pronunciou. Espírito algum me pediu que afastasse a melancolia. Talvez também eles quisessem aquecer o coração. Eu apenas quis recordar o que não vivi, porém senti, ao prestar atenção aos pormenores de tais histórias de vida desenhadas na pauta de uma canção. Porque, no fundo, nada mais são senão esse tanto. Vida. Acasos, coiincidências. Azar. Benção.

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26 de dezembro de 2007

Mesa

Ouvia-se um bater de talheres ali ao pé. Não muito longe, alguém como que acordara de repente para a noite e perguntava pelo petisco que adivinhava e pressentia prestes a chegar. Do outro lado da mesa, uma gargalhada ao recordar uma queda na neve há uns anos, fruto da inexperiência dos petizes e da falta de jeito do pai, enquanto a mãe preferia a segurança de ser o repórter fotográfico. Uns lugares mais abaixo, sussuros; contava-se uma história em surdina, nascendo sorrisos dissimulados no momento final da decisão sobre a partida que pregariam a um de nós.
Passos apressados mas certos rangiam o soalho brilhante, carregando nas mãos enluvadas travessas fumegantes, para deleite dos anfitriões e gente de fora, mas já quase de casa também. O dono da casa apresentava as garrafas de vinho que selecionara da garrafeira que ia construindo ao sabor dos anos e do paladar refinado. Abria-as cuidadosamente, deixando que o aroma quente subisse no ar e desse novo perfume ao salão enriquecido pelas iguarias doces e salgadas preparadas nesse e noutros dias, e presenteava família e amigos com novos detalhes de sabor.
Todos iam sendo servidos e adoçicados pelos serventes e pelo acochego que lhes chegava às entranhas.
E foi então que olhei ao meu redor. Observei tudo.

Senti perto uma presença ausente.
A saudade tocou-me no ombro. O sorriso que me atendia o telefone ecoou na minha alma. A mão que afugentava o frio dos meus dedos gelados acariciou-me por dentro. Mas só aí.
Não estava ali.
E por instantes, também eu não.
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24 de dezembro de 2007

A página do desabafo natalício de um livro que não existe

Tanta gente festeja sem saber bem o quê. Tanta gente, ainda mais talvez, se deixou corromper e enterrou o que sabia ser motivo de alegria no Natal. De todos eles tenho alguma pena; uma certa mágoa cresce por vê-los, crescidos ou mimados petizes arrogantes, brincar ao Pai Natal, gastando fortunas enquanto exibem sorrisos de plástico (e, não raramente, sofrendo por dentro por não poderem dar-se a esse luxo ou por saberem, secretamente, que nao há real motivo para tal); esssas, que encheriam os bolsos de Pessoas igualmente gente. Se ao menos soubessem no ridículo que caem... Se soubesssem quão melhor é um olhar amigo mergulhando fundo no nosso; um abraço, quando saímos porta fora e as botas se enterram na neve que dançou durante toda a noite e agora repousa ao pé de nós, brilhando ao Sol tímido que se ergue na madrugada ensonada. Ou então sou eu que distorci a realidade e já não há destes momentos. Mas sinto na pele que ainda pode haver Natal assim.
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21 de dezembro de 2007

Hoje... e sempre

São os passos que se dão simplesmente ouvindo as pedrinhas do caminho. Sob um céu de nuvens geladas, azul como o infinito que vês ao entrar bem fundo no olhar que te acompanha.

São os passos e o sorriso, que rasga as cortinas pesadas que descem ao cair da noite. Sob o abraço da serenidade e cumplicidade sem outro nome que se lhe conheça.

São as pequenas coisas neste Inverno, nestes dias, nesta hora longa ao som do silêncio. Que pintam os sonhos, falando-nos ao coração enquanto o sono reina.
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19 de dezembro de 2007

Correio azul marinho

Se fosses embarcar numa viagem sobre carris, daquelas diferentes da maioria das de hoje, onde se cruzam montes e vales, rios e lagos, chuva e sol, no comboio outrora a carvão e hoje veloz e silencioso, dir-te-ia para olhares pela janela. Seguires os postes que passam depressa, um pássaro errante no céu que o teu olhar alcança. Fixares por momentos esse mesmo olhar num arco-íris inesperado, quando a chuva toca o ferro e aço da carruagem, mas também o chão verdejante das planícies; quiça consigas ver o pote de ouro lá ao fundo. Perderes-te dentro de ti ao som de uma música qualquer tocando perto do ouvido, como sei que acontece quando o sentimento e o pensamento não te deixam dormir. Fugires então do banco aveludado onde seguisses sentado, sentindo a dor da lebre abatida enquanto o teu comboio avançava na floresta, a confusão da criança perdida na feira daquela vila que cruzaste sem notar, a dor que te cresce no peito e afunda o sorriso.
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Voando antes sobre cidades e matas, funde-te com cada vulto nos aeroportos movimentados, entrando no seu eu, tentando percebê-los e entender-te. Mergulha no betão das cidades, toca a argamassa do símbolos de tempos longínquos, inspira o ar dos jardins esquecidos e redescobre os ícones, perde-te enquanto escutas acordes levados de casa e desenhas com os dedos as pinturas um dia sentidas e esculpidas na tela e no azulejo. Sim, perde-te como sei que errante está uma alma esquartejada; estilhaçada e sozinha entre muitos, que jamais tocaram a superficie do seu imenso oceano de emoções e perguntas. Ah, tantas perguntas e respostas que se evitam, procuram, contrariam, desejam. Mas que sempre agora ferem. Muito. Demais.
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Deslizando sobre rodas no asfalto quente do Sul, digo-te que observes e absorvas as maravilhas invisíveis aos olhos do viajante prepotente.
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Na pequenez que vês no espelho e sentes na pele, digo-te: isola-te um pouco se assim o teu coração pedir. E cresce outra vez devagarinho.
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Não precisas sorrir, fingir, imitar. Uma fotografia aqui, uma descoberta inesperada acolá, um sono atribulado num quarto diferente, um amanhecer esfomeado, relançar-te-ão. Lentamente, a um ritmo que não sei se tem igual. E se o não fizerem, deixarão pequenas cicatrizes na memória que um dia recordarás e talvez queiras ver melhor. Sozinho. No teu quarto. Longe já do comboio que só viste correr distante, das asas pesadas que sobrevoaram o mundo contigo, da borracha que chiou numa curva apertada. No silêncio ruidoso de ti. Aquele que te traz os pensamentos à ponta dos dedos. E aos olhos.
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Talvez alguém os veja depois aí espelhados. Se estiver atento. Ou perceber, apenas e logo ao vibrar do ar num teu piscar de olhos.
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Boa viagem.
Contigo. Com os teus fantasmas. Com quem levas no coração.


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18 de dezembro de 2007

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Saudade.



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16 de dezembro de 2007

Leituras e constatações

Naqueles livros que recolhem pequenas histórias escritas ao ritmo de cada dia, umas mais longas, outras igualmente cuidadas mas um pouco mais poupadas em palavras, quase sempre leio umas páginas relembrando o Natal de infância ou aquele que hoje acontece, não raras vezes descrevendo o escritor, amargurado com a sua própria inoperância face à tristeza, fome, frio e abandono da gente que o cerca nas ruas aparentemente cheias de alegria, as rotinas desses dias de Dezembro; a dos bolos e salgados, das prendas e dos enfeites piscando por tudo quanto é canto, da azáfama da quinta de infância e da cidade de agora, e aquela menos conhecida (ou preferencial e, quiça, convenientemente esquecida) dos pés gelados e barrigas pedindo o que sobrar da mesa da primeira.
É assim, nesses livros.
No meu, que não existe, que apenas se pode folhear na imaginação, não há páginas assim. Nem sequer enfeitei a casa. Tão-pouco andei de loja em loja procurando os adornos perfeitos que jamais se encontram. O presépio espreita sob o candeeiro, mas apenas ganhará vida na noite de Natal, quando realmente faz sentido. Árvore e luzinhas e fitas e doces sem fim, deixando por vezes um cheiro enjoativo no ar, tal a mistura de sabores, ficam para outra vez. Ou para quem quiser adormecer na sua companhia ou sentir o calor das pequenas luzes quando, despertado a meio da noite, atravessar a sala com um copo de leite e regressar à cama ainda quente.
Eu, desejo somente dormir tranquilamente toda a noite. E, na da consoada, saber por perto um presépio de palha e barro. E uma velinha trémula ao seu lado.
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14 de dezembro de 2007

Viagem a lado nenhum

Num dia frio, percorri as ruas estreitas da serra.
Subi, ao meu passo, sem procurar ser mais rápida do que o vento nem chegar antes do ruído das motas que aceleravam na estrada principal, a encosta banhada pelo Sol da tarde que nascera há poucos minutos. Escolhi as ruas de paralelo, estreitas, ladeadas por muros baixinhos; aquelas onde passeiam gatos espertos acordados pelo barulho dos pássaros. Olhei as casas de outros tempos, vendo sorrisos enrugados pelo tempo à janela e acenos aos netos que, travessos, corriam porta fora para mais uma tarde de escola. Senti aquele aroma inigualável da fruta nas bancas da mercearia e aquel'outro odor típico: o das drogarias, adivinhando lá ao fundo, para lá das portas de madeira vermelha brilhando ao Sol, os rolos de arame, os vedantes de borracha, as tintas e vernizes, o diluente e as galochas, os carrinhos de mão e todas as ferragens que a imaginação alcance.

Quase no fim do caminho serpenteante, de modo algum cansada, apenas apreciando os pormenores da simplicidade, degustei os cheiros da horta. Eram as couves do Natal. Sim, as hortaliças portuguesas pedindo para ser colhidas, como em criança recordo acontecer por esta altura, lá na quinta onde a madeira estalava, o fumo subia alto sobre cada uma das casas grandes, e menos um pouco nas mais modestas, e crescia a pouco e pouco a azáfama dos doces e pitéus de arregalar o olhar.

Cheguei, entretanto, lá acima. Saí das ruas onde caminhara e parei numa espécie de miradouro improvisado. Podia ver, ao longe, toda a cidade envolta num céu azul pintalgado de núvens de gelo. E ouvir o silêncio interrompido pelos sinais da gente, dos animais, das plantas oscilantes ao toque do vento. A música que me acompanhara na subida, sei lá se ininterruptamente, tocava baixinho ao meu ouvido. A letra, esse desabafo embalado pelos acordes, martelava e contava uma história. Talvez tenha sido por isso que a escolhi. E pela memória.
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And I'd give up forever to touch you
'Cause I know that you feel me somehow
You're the closest to heaven that I'll ever be
And I don't want to go home right now
And all I can taste is this moment
And all I can breathe is your life
'Cause sooner or later it's over
I just don't want to miss you tonight
And I don't want the world to see me
'Cause I don't think that they'd understand
When everything's made to be broken
I just want you to know who I am
And you can't fight the tears that ain't coming
Or the moment of truth in your lies
When everything feels like the movies
Yeah you bleed just to know you're alive
And I don't want the world to see me
'Cause I don't think that they'd understand
When everything's made to be broken
I just want you to know who I am
I don't want the world to see me
'Cause I don't think that they'd understand
When everything's made to be broken
I just want you to know who I am


10 de dezembro de 2007

Minutos sem fim

Talvez devesse estar a trabalhar ou a ler um livro que me cultivasse o intelecto ou a ajudar alguém que precisasse de uma palavra amiga. Ou então talvez fosse bom que estivesse longe de tudo isso.
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Mas estou simplesmente aqui, olhando o Sol que se põe devagar no vale que se estende para lá desta encosta onde arranjei morada no tempo frio. Vendo as cores da estrela que parece mergulhar no casario que outrora poucas luzes oferecia à noite, escutando o ruído da gente que trabalha atrás do volante na estrada que apenas adivinho. De caneta na mão e um bloco de linhas azuis no regaço.
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Um cachecol felpudo, uma camisola quente, botas grossas que separam de mim o gelo do chão, são os adornos que envergo. Nem as palavras os têm agora. Para quê eu então, se o frio reina nesta terra e as conversas se afundam nos textos que sonho, dispensando eufemismos corruptores da realidade?
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Estou simplesmente aqui, procurando descobrir como se faz bater mais devagar um coração desnorteado sem saber porquê; como se ensina o pensamento a sossegar para que durma de olhos fechados. Toda a noite. Até que a manhã chegue e traga de novo a estrela que agora me foge da vista e arrefece a ponta dos dedos.
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Olho o papel e distingo umas linhas escritas ao sabor do vento de Norte que se levantou. Acontece, quando se pega em caneta e papel. Surgem histórias. Que depois se contam.
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5 de dezembro de 2007

Vendo este tempo e estes dias que deslizaram

Já ouvi tantas histórias. Incontáveis filmes entraram também na retina e fotografias sem número foram vistas sobre mesas de café, areia molhada, sofás de todos os feitios e toques. Vi, revi, senti até tudo isto, mas pouco guardei como meu na memória e no fundo da recordação, naquele lugar onde nada se perde nem transforma; antes permanece intocável e magnífico. Afinal, pouco ou nada era pertença minha, ambição ou desejo concretizado. Talvez apenas momentos de gente alheia a mim, que desenhava no ar conversas de alegria e pesar, pedindo silenciosamente que me sentasse e escutasse as peripécias das vidas que iam sendo suas, mas que pouco conseguiam colorir. Pelo menos aos meus olhos. Estes de cor perdida que olhando o mundo lá fora, abriam a alma às suas palavras de vitória, humilhação, amores e desamores. Sendo amigos se lhes pedissem mesmo sem pedir.
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Já ouvi acreditei, mas sempre pensando secretamente que muito faltava em cada pedacinho do que me contavam. Na verdade, uma imensidão de tudo parecia estar ausente dos relatos, dos sorrisos fotogénicos, das prendas um dia abertas por gente, no fundo, de carne e osso como eu.
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E apenas pensava que ambições nascidas em mim jamais poderiam cobrir-se de pó, sorrisos forçados não teriam lugar nos anos da minha vida e dias solitários seriam preenchidos pela companhia de mim, sem procura de gente pela gente e, no fundo, só porque sim.

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Curioso como não perdi a vontade de ser Eu e aquele pensamento persiste.
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Curioso também como um dia vi tal anseio e raciocínio estampados noutro rosto, ganhando vida num olhar que falava para todos mas também como que numa frequência perceptível somente para quem prestasse atenção. Essa que preferi à banal. E que me contou tantas histórias realmente reais ao longo do tempo, sem promessas de rosas e doces, sem fingimentos de ocasião, sem adornos que se estragam com o rigor das estações.
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Curioso e diariamente surpreendente, como continuo a ver e tocar o rosto que um dia descobri na multidão vazia de Pessoas, conhecendo agora de cor os seus contornos, esperando um dia desenhar com as minhas mãos cansadas, as rugas que chegarão ao redor dos seus olhos e os cabelos caiados que abrirão caminho sorrateiramente; com os anos, com as quedas e vitórias que deixam marcas no fundo da gente.
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Curioso e real.
Sim, real.
Sem dúvida que real, porquanto o sonho não abraça ninguém quando as lágrimas correm ou o sono foge do corpo e alma importunados pela preocupação, pela dúvida, pelo medo.
E eu fui abraçada.
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2 de dezembro de 2007

Olhare e vere

Sabes quando tens assim uma espécie de peça especial de um puzzle grande e complicado, demorado e desafiador, daquelas que encaixam em qualquer canto ou entre quaisquer outras duas, como que se de peça-mestra se tratasse? Uma peça matizada de mil cores que se funde com a história do puzzle, qual camaleão na paisagem? Sabes do que falo? Imaginas ou recordas na tua cabeça o que me veio agora à memória? Pensa então um bocadinho, acende uma vela bem lá no fundo de ti e procura nas gavetas poeirentas da lembrança. Vasculha, destapa os momentos que já foram e que cobriste com lençóis brancos, agora que és grande e brincar nada mais é do que um sonho por chegar.
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Há gente que te pode fazer tanta falta como essa pequena peça maravilhosa que sempre ajudava a terminar o entretenimento de uma tarde. Há gente que está ao teu lado tão silenciosa como a noite de nevoeiro nas margens do rio, contando-te histórias fabulosas que antes só vias na tampa colorida da caixa do puzzle, sussurrando-te ao ouvido ou espelhando no seu rosto, lendas tornadas reais num instante, num olhar, apenas. Há gente assim, que diz boa noite e te abraça quando os pesadelos atormentam a noite, aconchegando-te, sorrindo-te no escuro. Mais do que o brinquedo que construías com a peça recortada.
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E eu conheço gente assim. Respira o meu lado.
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30 de novembro de 2007

Instantes de reencontro


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Respirei aquele ar frio, vindo do mar, fechando os olhos sem querer mas por serem pequenas facas geladas as gotas de um fino nevoeiro que baixava sobre a cidade. Lentamente. Muito devagar, naquele limite da terra banhado pelo Atlântico. Oceano imenso e surpreendentemente calmo ao chegar o fim da tarde, deixando-se cobrir por nuvens baixas, ainda translúcidas, matizando o Sol que se punha e maravilhando quem passava e, por momentos, se detinha. Quer ansiasse pelo regresso a casa, percorrendo a marginal que se enchia de faróis, quer não a tivesse quente e acolhedora; antes a carregasse às costas. Dia após dia. No calor do Verão, no Inverno húmido e escuro.
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Respirei esse ar que conhecia desde sempre, que falava comigo baixinho quando a voz da gente se calava ou articulava palavras que não me diziam o que quer que fosse que merecesse ser ouvido.
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E senti no rosto a chegada da noite, iluminando os passeios, mostrando os contornos do que eram apenas sombras ao amanhecer. Caminhando, arrepiei-me ao cantar de uma nortada e tive a certeza de estar no sítio certo.
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Na minha cidade, na companhia do ruído das pessoas sinceras, dos acordes melodiosos que apenas ouvidos aqui nascidos sabem escutar, do cheiro a mar e a flores de Inverno.
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Aquele lugar único que aconchega o coração na solidão. Que abraça cada um ou dois de nós, nos torna mais cúmplices e conversadores em silêncio. Partilhando medos, mentiras, sorrisos matreiros.
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28 de novembro de 2007

Conversas

Não é vergonha, não é humilhação da gente, não é fraqueza alguma nem tão-pouco sinal de imaturidade. Não, nunca.

Não é reflexo de infância atribulada, insegura, infrutífera de ensinamentos para a vida e daqueles pequenos grandes nadas que fazem crescer em sabedoria. Não, nunca, lamento repetir.

É antes um reconhecer do valor que lhes chegou com os anos que têm e que ainda nos faltam, a vivência de tempos diferentes mas, sem dúvida, por vezes tão iguais, os erros que lhes tiraram o sono, as vitórias nos momentos inesperados. É, inequivocamente, olhar com respeito e aprender para ser aquilo que de nós se espera: cada vez mais e melhor.

E o que é afinal tudo isto que não é nada de mau porém somente um grande bem?

É poder chegar perto do pai, da mãe, do irmão que nos protegerá até à morte, olhar os traços que nos seus rostos têm algo de nós e, sem medo nem hesitação, pedir um conselho, uma opinião.

Não por fraqueza ou facilitismo de criança grande mimada (quem poderia pensar tal a menos que, para lacrimejo da sua alma, não tenha podido fazer o mesmo?). Sincera e verdadeiramente, antes por reconhecimento das limitações do nosso julgamento quando o que se quer é nada mais do que ser um pouco mais Pessoa, mas se sente encarnada a dúvida, a incerteza. Porém não se quer pôr de parte a inteligência e se procura pensar a dois.

Para agir sensatamente e aprender.

Para deitar a cabeça na almofada com a certeza do apoio de quem jamais nos quererá mal. Ao contrário de muita gente.

Fala, escreve, olha-os nos olhos. Sente o seu abraço e deita-te se for preciso no seu regaço até que o sono chegue. Não serás menos. Mas mais. Muito mais por beberes do seu amor e sabedoria.

Até que um dia, perto ou longe não importa, faças o mesmo por quem te bater à porta e pedir um instante do teu dia.

Humilhação? Fraqueza? Apenas o errar por orgulhosamente ousar pensar saber já tudo e sobre tudo poder decidir.

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25 de novembro de 2007

Momentos no Hospital

Ao percorrer os corredores largos daquela casa da saúde, da doença, da morte e da vida que começa a todo o instante, aqueles onde não há Sol que brilhe nem Lua que faça sonhar, sentia, isso sim, o frio da noite que chegara e que não vira com meus olhos. Um ar invernoso que me arrefecia as mãos e arrepiava os olhos cansados, como que contando a história da noite que começava longe dali, mesmo que apenas à distância de uns passos, uma porta, um curto caminhar.
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Ao percorrer os corredores entrançados e movimentados, via a alegria do nascimento, a tristeza da impotência, o desespero da solidão que chegou sem aviso, o alívio da pequena esperança de cura.
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E sabia que era também eu parte dos sorrisos e lágrimas da gente inominada que um dia cruzara os portões daquele reduto em busca de respostas. Aquelas que nem sempre posso encontrar para lhe sossegar o coração.
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22 de novembro de 2007

Memórias

Era um daqueles caminhos longos, serpenteando no meio da vegetação rasteira, perfumada de mil odores que subiam no ar e adoçicavam o sol nascente. Um trilho galgado por gente sem nome nem destaque, desenhado na terra solta da montanha num tempo que a memória já não lembra, tornando mais próxima a aldeia eregida lá no fundo, no vale verde e orvalhado, e as pastagens íngremes que engordavam cabras e ovelhas de olhos vivos; aquelas que eram um desafio alcançar para pequenos guardadores de rebanhos, que corriam estrada acima e nem parávam quando o asfalto desgastado dava lugar ao caminho sinuoso, antes orgulhosamente guiando os animais que uma mãe atarefada lhes confiara.
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Era um daqueles caminhos ladeado, aqui e além, por pedras grandes e redondas, invejáveis pontos de paragem para recuperar o fôlego, abrir o saco da merenda, deitar o olhos, de esguelha, ao rebanho matreiro e apreciar as árvores, campos, rios e cumes a perder de vista, até o dia arrefecer, o Sol descer do ponto mais alto do céu e ser tempo de reunir os animais.
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Um caminho que, ao entardecer, iluminado pelos raios caídos de um Sol mais fresco, guiava os pequenos pés dos pastores até casa. E aí, mesmo antes de entrarem na cozinha inundada pelo cheiro do pão acabado de fazer e da sopa que ganhava novas cores sobre a lenha crepitante, despediam-se de cada cabra e ovelha ensonadas com um "até amanhã e durmam bem; vou agora eu descansar no colo da minha mãe".
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O caminho que a menina rica da cidade aprendeu a conhecer quando se refugiava no silêncio da distância. Para assim perceber a real dimensão do mundo.
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16 de novembro de 2007

Real world

A vida da gente é tão curta, tão imprevisível no seu decorrer e ainda mais no seu fim, tão inesperada nos encontros e nas despedidas que ficam por acontecer. É uma vida onde se contam histórias, escutam melodias que tocam o coração, passam dias na companhia dos vizinhos de sempre, sonham ambições do tamanho deste mundo e de um outro aqui ao pé. Um tempo passado de olhos abertos caminhando ora sozinho, ora com companheiros de viagem que estendem um braço quando as pedras no trilho estreito fazem este corpo tropeçar, vacilar, quase cair.
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A vida da gente é tanto que não lhe chega o tempo para se descrever e dizer o que pensa de si própria. E então ficamos nós como que encarregues de, num instante de sossego, olhar para tudo quanto é e contar depois a quem passa. Um bocadinho de cada vez. Compondo a lenda da vida da gente.
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Essa vida que se esfuma num estalar de dedos por ordem desconhecida, dela ficando a memória do que foi e como o seu viajante a coloriu.
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A vida que ganha e perde sentido num momento de viragem, se esbate nos contornos ao bater dos sinos e termina abruptamente como começou.
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A mesma que me diz agora o quão egoístas podemos ser, chorando sobre o nosso leite derramado na chávena de porcelana fina, mesquinhos e pequeninos nas nossas birras e desejos de perfeição... quando o simples respirar pode estar a ser negado ao nosso lado.
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Amaldiçoada esta mania das grandezas quando já se tem tudo para ser muito mais do que tantos e tantos ao redor, ela que traz as lágrimas ao rosto quando deveriam ser sorrisos rasgados. Sim, maldita seja a tristeza ensimesmada que só acorda para a realidade quando leva uma bofetada do dia de agora e, felizmente, ao menos, vê como realmente triste pode estar um coração ao pé de si.
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Senti o abanão do real que me circunda. E apenas a revolta comigo me encheu o peito. Pelo egoísmo do querer, pelo esquecer da benção que tinha. Sou humana. Não esqueço a minha desilusão e tristeza. Mas não posso deixar em segundo plano os corpos que sofrem também. E talvez muito mais. Precisando de um abraço.
Um olhar.
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14 de novembro de 2007

Ecos

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Acordando depois de não dormir, ou de ter tido a cabeça meio pousada na almofada umas horas, sem ter entrado totalmente no mundo dos sonhos e dos pesadelos que os perseguem, lembrava momentos que apenas podiam ter sido um acontecer na terra do sono.
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Foi confuso.
Estranho.
Não dormira porém sonhara. Ou dormira entre despertares sem conta, cedendo ao cansaço, deixando chegar pensamentos feitos sonhos no escuro.
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Recordava um sorriso de boas vindas e algumas palavras que já não sabia distinguir de olhos abertos. Como se fossem reais. Como se fossem realidade.

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"Lamento desapontar-te", ainda parece ouvir-se do fundo da cabeça semi-erguida, "minutos de sono tomaram conta de ti e o desejo desenhou as imagens que quase tocas agora; mas não passam de imagens. Não são reflexos do que possas encontrar escondido sob uma cortina."
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E assim se regressa ao dia frio que desponta. E prepara o corpo para sentar e escrever uma história, enquanto foge daqui mas não da magia da escrita quando as palavras faladas são escusadas.
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11 de novembro de 2007

Do silêncio ao som que vagueia errante

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Estava ainda assim meio escuro, como que se o vento que soprara toda a noite sem cessar, tivesse afastado o Sol da minha casa. Mas já não se ouvia qualquer uivo lá fora, nem as folhas da árvore maior batiam na janela ali ao pé. Devia então estar quase a ser dia e não tardaria a chegar a nova manhã. Mesmo assim levantei-me, calcei os chinelos azuis, enrolei-me no roupão colorido e segui pelo corredor comprido, iluminado pelas luzes trémulas que mostram o caminho na noite.
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Não levava nada de concreto (nem de vago) no pensamento, caminhando pela força do hábito. Também por ela dei por mim envolta no calor da água fumegante e com cheiro a côco. E depois alimentando o corpo com torradas acabadas de fazer e leite quente, sentada numa cadeira perto do antigo fogão de lenha, ainda frio e sem vida pelo falta de gelo lá fora. Ali fiquei um tempo que não sei dizer em minutos. Até que me pareceu que afinal já era dia outra vez. Gente começaria a acordar, novos aromas dançariam no ar, vozes erguer-se-iam a pouco e pouco do sono agora findo.
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Daquela cadeira mudei-me para o cadeirão perto da varanda sobranceira ao lago. Só isso.
Um pouco de música vinha de mansinho, por entre os espaços do ar que respirava, do sótão onde alguém procurava livros perdidos ao som de acordes de muitas cores.
Vi chegarem pássaros de Inverno, o gato preto da quinta que procurava o calor de um dia sem chuva, o cão grande regressando da ronda nocturna.
Lembrei-me de ti, como quando adormeci, vencida pela exaustão na madrugada, e acordei sem saber porquê.
E mais nada.
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As horas passam por elas. Ao ritmo que bem entenderem. Não lhes vou pedir que se apressem ou atrasem porquanto enamoradas pelo instante.
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7 de novembro de 2007

Ao som da casca que estala

Está ainda calor no tempo do cheiro quente das castanhas estalando no lume, vertendo no ar o fumo branco que delineia a esquina onde repousa o velho que as oferece às crianças que passam. Partiu o frio e a chuva, ficou o sorriso dos petizes e da gente grande ao pegar no cone de jornal que guarda a iguaria por que esperaram todo o ano. Vejo os seus olhos brilharem ao entregarem as moedas e receberem o tesouro quente, oferecido pela avó carinhosa, a mãe apressada, o namorado atento.
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Está um tempo diferente e com ele mudou também quem sou e surge a dúvida do que fui. Os acordares têm apenas o sentido que lhes pode dar aquele desejo que reside em mim, de ver sorrir genuinamente os poucos que me rodeiam. Esse brilho que lhes vem de dentro e que me é suficiente e objectivo maior. Os acordares, explicando melhor o inexplicável, não têm qualquer outro valor nem luto para que o encontrem, porque o que agora acontece à luz do Sol ou na escuridão de noites sem dormir, é vazio de tudo. De sentido, de interesse, de vontade de os encontrar, de tranquilidade, de alegria na alma.


Vazio. Angustiante na proximidade de caras, pessoas, trabalhos, atitudes, comportamentos.
Exaustante.
Aterrador na perspectiva das horas passadas agora e depois destas que se contam.
Solitário. E por isso triste.
Está um tempo diferente e já não gosto da companhia de mim que me confortou tantas e tantas vezes.
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Talvez escape um pouco na escrita, em histórias nascidas não sei bem onde ou com qeu argumento.
O resto, esse que me pareceu um dia tudo ou perto da plenitude, não conta agora. E dele apenas quero distância. Para sempre.
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3 de novembro de 2007

Palavra única

Caído cá em casa, Outubro '07



Gente alguma que escreva, afasta o berço das letras da emçoão que a invada. Gente alguma conseguirá libertar as frases que crescem dentro de si, sem que levem um cunho seu, muitos dirão que, por vezes, invisível. Não há gente que o faça. Não me mintam. Não há.
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Palavras eternizadas pela escrita, moldadas ao papel que as abraça; esse refúgio que me abre as portas do seu recanto solitário, onde correm lágrimas de agonia e o peito se torna demasiado pequeno para conter o coração que sangra. O refúgio que quis encher de folhas soltas e pensamentos nascidos ao sabor da dor. O refúgio que levaria a minha perdição de agora, ao fim dos tempos.
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Tudo, porque, no fundo, o que se faz quando a mutilação da carne e do espírito da pessoa que nos faz crescer e nada deixa ao acaso quando lembra que somos nós a razão da sua alegria, nos dói como se um naco real de nós próprios tivesse sido arrancado sem piedade, distanciando o sorriso da serenidade? O que nos resta, pobres diabos? E que se pode fazer?
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Sim, o quê?
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Sentir apenas esse grito emudecido, que estilhaça devagarinho, com a precisão da águia, cada recanto de nós.
Secar as lágrimas deslizantes no rosto que temos já inexpressivo, deixando-se sulcar pelos finos fios de água nascidos de olhos já imensamente pequeninos com dor; aquela que não passa e que veio pelo laço inexplicável que nos une a uma pessoa boa. Ela, que ainda tenta esboçar um sorriso.
Estar ao seu pé e não não deixar que se sinta sozinha.
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Aguardando que o dia em que se chegue mais próximo do entedimento do porquê. O momento da percepção enevoada da razão da injustiça.
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Questionando até lá, na tristeza que se torna palavra única para descrição.
Vivendo uma vida que já não interessa, de olhos postos no preservar do sorriso que lhe vimos ainda há pouco ao acordar e pedir-nos ajuda.
Abafando o choro imenso que a noite relembra, lutando contra o medo de adormecer e o terror de acordar.
Por vezes eternizando palavras na escrita.
Outras buscando o abraço que ainda nos aguenta à tona.
Sempre perguntando porquê.
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28 de outubro de 2007

Resíduos



Procura na memórias dos dias que já não são, nas ânsias irreais, no futuro que poderá desenhar-se com um sorriso, no presente que te dá a mão nas horas que agora passam por ti. Procura ou deixa que te encontre, a recodação, sem névoas nem chuviscos, daquele sentir perto um e outro dedo da mão aquecida pelo coração, tocando-te ao de leve na pele do ombro, arrefecida pelo Inverno; contando-te histórias como quem desenha momentos em cada centímetro de ti; falando-te na linguagem do tacto, colorindo as palavras com perfume; esse mesmo que te desliza nos poros e queima... sem deixar cicatriz; antes, um desejo ainda maior de não cobrir a pele frágil que tornaste um pouco menos tua e mais vossa.
E quando encontrares, diz-me nos olhos, firmando a voz, se é possível escritor algum romancear a história da tua vida; todos os instantes em que te arrepiaste por sentir a respiração do conforto perto do teu ouvido, levando a tua mão de encontro àquela que te arrancava os medos do rosto, simplesmente porque descontraía cada um dos teus músculos ao deslizar pelo teu braço caído.
Diz-me.

26 de outubro de 2007

Sentidamente

Quando era pequenina, muito pequenina mesmo, aprendi com gente grande a rezar. Melhor, aprendi que podia conversar de forma especial com alguém que me ouviria na solidão dos dias ou no extase da conquista.
Retive palavras da minha mãe que ainda ecoam, dizendo-me calmamente para guardar uns momentos antes de adormecer para falar na minha língua sobre-humana com esse companheiro de viagem; estivesse sorrindo por dentro ou brontando lágrimas na almofada, lembrando na minha oração simples quem mais acarinhava.
Recordei sempre os meninos que dormem relento, sem o calor de uma casa, e os crescidos afastados da sua terra pela força das armas encobrindo a fraqueza dos Homens.
Nunca esqueci quem me ajudava a crescer depois de me ter dado vida, muito menos olvidando o companheiro de brincadeiras que dormia, sereno, num quarto colorido perto do meu.
Mas não tenho memória de lembrar outra gente.

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Até que um outro nome entrou na minha conversa silenciosa, antes de adormecer. O teu.
Recordo-te para que também um anjo de asas negras vele por ti no sono atribulado que pudesse esperar-te, colocando sobre ti a mão que em sonhos deixo que seja minha.
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22 de outubro de 2007

Quando se pára

Cheguei.
Cheguei aqui vinda de sítio inominado, passados muitos anos desde ter começado a andar, de olhos abertos e mãos mergulhadas nas recordações; as que se relembram e as que se constróem.
Cheguei aqui hoje também, despertando do mundo da magia que me levou a sobrevoar o esquecimento das mágoas, vivendo minutos pesarosamente finitos de... fuga.
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E tenho comigo uma dor que chama baixinho e cresce quando a razão fala e o sentimento se impõe. Tanta gente sofre a perda de sustento, vive enclausurada entre paredes frias e grades que dividem o Sol, acorda doente e sem esperança de sentir muitos mais acordares, caminha mutilada e treme a cada ecoar de bomba inesperada.
E eu, que aqui cheguei vinda do Tempo que me impeliu e do Lugar que me acolheu, devia esconder a cabeça com vergonha e bendizer o que, mesmo sem descrição que lhe conheça, me corrói a cada dia. No fundo, a maior benção que poderia descer sobre as almas que vejo ao meu redor em sofrimento.
Eu, que sinto a escalada da minha mesquinhez quando vejo os pesares que se abatem sobre estas almas, pressentindo o estilhaçar das minhas maleitas perante a pequenez que as reveste. Mas tenho pesadelos que sobressaltam o sono atribulado, gravando na minha almofada aquele arrepio eterno ao adormecer e a angústia do vazio enraizado ao acordar. E caminho sem saber porquê nem até quando. Ou para quê. Ou onde.
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Ainda assim, sorrio ao ver-te dormir. E vigio o teu sono. Na noite, na madrugada, na manhã nascente.
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19 de outubro de 2007

Orvalho

Vou-te contar o que vi pela janela.
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O céu ainda escuro e, desenhadas no horizonte, cores esfumadas de uma manhã quase a chegar. No vale, um ou outro carro, lá ao fundo, na estrada; seguindo, sem som que me chegasse, de luzes acesas no asfalto negro. E, com os olhos dos outros sentidos, o zumbir do vento nas árvores altas, o calor anunciado de mais um dia nascente, o perfume forte dos frutos de Outono, chamando pela goludice de abelhas e gente comum.
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Foi o que vi pela janela enquanto me aquecia por dentro, deixando o poder do chocolate quente tomar conta do fim da madrugada.
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Sem sono.
Sem vontade de ir.
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14 de outubro de 2007

Listen closely, listen carefully

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Hoje.
Simplesmente.
Sem outras felicitações senão as que saem da música e de um abraço cúmplice.
Apenas chamando a recordação de ti que guardas na memória, lembrando-te do diferente que és na unidade e constância que não podes dizer ser-te alheia.

Hoje. Simplesmente. Palavras em sons ao envelhecer.

9 de outubro de 2007

Na hora do Sol

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Não sei que diga ou escreva.
Tenho o pensamento entorpecido.
Pousei a caneta e agora os livros de faz-de-conta não ganham novas páginas.
Talvez o vazio ou aquilo que prefiro não nomear para não chamar, seja grande demais.
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5 de outubro de 2007

Vagueios

E a pouco e pouco se deixa fugir pedaços de tudo.
Ficam retalhos de nada demasiado pequenos para construir seja o que for, sem que artista algum consiga reciclar o que mais não são do que vidas sem sentido.
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Vê-se o nevoeiro e o sol quente da mesma forma; aquela que de tão simples e banal, sem nada mais esperar do que o amanhecer ou o arrefecer da noite, perdeu o encanto.
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"Pronto: morri. E agora? Agora preciso do teu amor mais do que nunca."
[Carlos Nóbrega, A Invenção da Alma]

1 de outubro de 2007

Por baixo da pele

O silêncio que me sufoca, nasce das palavras que não digo, encravadas na garganta numa escuridão fria sem madrugada. Aquele silêncio cravejado de lágrimas sem sabor, que abafo e que transformam o sentir do pensamento, numa dor intensa, latejante, gritante sem se fazer ouvir.
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Esse silêncio que já não sei como calar.
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28 de setembro de 2007

Do nascer ao... apagar?

Afinal, quando nascemos e somos um irritante recém-nascido capaz de induzir surdez neuro-sensorial no mais resistente dos humanos, produzimos mais energia por unidade de massa e de tempo do que o Sol.

E depois? Que é feito dela? Sume-se?
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Talvez as células entrem no marasmo e facilitismo que rodeia os corpos que por cá já andavam. Cansarem-se? Incorrerem num stress oxidativo inevitável por continuarem ávida e freneticamente a produzir e a consumir energia, num ciclo vicioso e interminável, senão pela morte?

Jamais.

Mesmo jovens e inexperientes no mundo cá de fora, parece que as nossas unidades básicas rapidamente adquirem maus hábitos.

Talvez biologicamente não o sejam na realidade. Seria incomportável preservar a dinâmica inicial. Seres bem mais simples do que nós fizeram e fazem-no ainda em ambientes da maior hostilidade; e até a uma escala bem maior. Mas com um custo elevado. O da fugaz existência. E as nossas células querem alargar o seu prazo de validade.

Porém, a outros níveis, essa verdadeira central nuclear poder-se-ia vantajosamente manter activa.

Não se perderia iniciativa.
Não se hesitaria.
Não se ficaria sentado esperando que outrem dissesse, fizesse, acontecesse, desaparecesse, chorasse.

Simplesmente tal seria impossível.

Nem sequer tempo haveria para dúvidas pseudo justificadas. Para medos infundados. Para receios de algibeira.
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Mas não é esta a realidade.
Abrandamos o metabolismo.
Refreamos a impetuosidade.
Envelhecemos logo, precocemente e mal. Muito mal.

Pior do que a visão de um céu cinzento no fim do Verão. Nele sempre há raiozinhos de Sol espreitando por entre as nuvens, mais tarde ou mais cedo.
Já nós, arrefecemos de tal forma que feixes luminosos como aqueles? Nem em sonhos deixamos que aflorem a superfície. Ou que sequer existam.

Porquê?
Recuperado de cadernos de Setembro '05

26 de setembro de 2007

Noite que é

Pesadelos que roubam o sono, histórias impartilháveis que afastam o descanso e assim acordam um corpo de si inquieto, entre a noite e a madrugada. Sem calor nem frio. E sem noção das horas.
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Apenas então um vaguear no silêncio dos corredores, pressentindo a geada lá fora. Pálpebras pesadas que carregam o seu peso sem lamúrias e não cobrem as íris preocupadas. Com tudo. E com nada, talvez.
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Talvez mesmo apenas com nada, porque rapidamente se perde a percepção dos motivos, os das das insónias e aqueles dos acordares em manso sobressalto.
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Quando morrer, sobrará tempo para dormir.

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23 de setembro de 2007

Over 18?

Tantas vezes tenho a nítida sensação e a real percepção, de viver (n)uma história censurável, daquelas em que o senso comum mandaria se pudesse, contudo que apenas observa à distância, sem poder alcançar a minha cabeça pensante, o meu sentir sem máscaras, o meu desejo ajuizado. Uma história passada num mundo todos os dias pisado, porém atulhado de portas que poucos ousam abrir; certamente por falsos receios, vergonhas impostas (acredito que até a si próprios) e, inegavelmente, pela ausência de real cumplicidade (notória nas suas incompletas faces) para ir mais além; àquele algures encontrado pela minoria que, como eu, partilha mais do que horas bem passadas, entrelaçando-se num pensar e sentir contínuos e não somente contíguos, sem farsas, sem faz-de-conta.
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Tenho pois tantas e tantas vezes a percepção real e não apenas a sensação ténue, de confessar em silêncio recantos escuros e sombrios, pressentindo parte de mim já do outro lado. O lado que se aproxima cada vez mais. Como cada vez mais também permite que se tornem reais, instantes de tempo suspenso e cabeças perdidas. Ou achadas...
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Num lugar em que a consciência dos minutos desaparece;
O sentido do que é o resto que não nós, se esfuma;
Os olhos percorrem cada detalhe do corpo alerta que têm nos braços;
O cenário não mais importa, esquecido que foi o espaço terreno;
Os figurantes nada mais são que transeuntes chocados pela imaginação do pecado que em tudo vêem (sem sequer entenderem qual o seu real significado);
Os perfumes geram um híbrido inebriante, já sem essência masculina ou aroma feminino, antes único e cravado em todos os milímetros de nós;
E os sussuros... esses dizem apenas aquilo que os outros sentidos já adivinharam e contaram ao ouvido ou deixaram escrito a fogo na pele arrepiada.
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E que é, no fundo, tão simples: o desejo autêntico de estar ali, naquele exacto momento e espaço, contigo, num abraço perpétuo em que os dois contornos se esbatem e apenas um vulto se distingue no escuro, único, despretensioso; numa entrega que se sabe impossível sem a segurança e o amparo instintivos, não só mas certamente de especial forma, quando tudo o resto nos deita abaixo, esquecendo a singularidade que pauta a existência que levamos nos meandros desta cidade, desta gente que olha de soslaio sem saber o que perde...
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Talvez tenha também, em momentos incaracterizáveis, uma névoa.
- O que acontecerá, quando apenas os dois que somos nós, entenderem e quiserem viver na loucura do desejo do nosso filme para maiores de dezoito, na sanidade das conversas sérias, nos silêncios à beira-rio, nos sorrisos ao amanhecer, na ambição sem fim destas duas vidas? Será a cumplicidade que se instalou bastante para continuar?
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E uma resposta, imediata.
- O mesmo que agora acontece. Porque vale a pena completar as nossas perfeições inigualáveis, com os detalhes que as diferenças deste eu e desse tu, enriquecem. Mesmo que se corra o risco de ter que explicar o inexplicável. Ou manter o mundo na ignorância. Tanto faz, sinceramente. Porque te conheço no escuro..

22 de setembro de 2007

Linhas escritas

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O que se escreve nasce de sítio nenhum ou de simples observações, acontecimentos, julgamentos, perdas, vitórias, passeios errantes, sorrisos perdidos, lugares mágicos, viagens inacabadas, sonhos perpétuos, noites enevoadas, leituras ocasionais.

O que se escreve e como se escreve vem de todos estes pontos dispersos e fortifica as palavras residentes cá dentro, partilhadas então com o papel ou também contigo, inominado leitor de frases que embelezam livros raros, folhas rasgadas, diários abertos.

O que se escreve evoca sensações sem fim e surpreende a mão que suporta a caneta, mostrando mundos longínquos ao escritor, colocando-o perto de si mesmo como nunca pensou poder estar, desvendando-lhe emoções e reavivando memórias que julgava esquecidas.

O que se escreve, enfim, procura para si sons que completem os textos perdidos na sua solidão muda, dançando então cada letra ao vibrar do acorde mais suave. E chorando assim por vezes a mão que lhes deu corpo. Por então sentir. E viajar em si própria ao sabor das palavras que transcreveu, da música que lhe canta baixinho ao ouvido, das recordações que lhe chegam ao peito quando uma imagem ganha forma. Aquela que completa o som e a palavra. Seja real, ou imaginada.
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O que se escreve é isto. Simplicidade. Pressinta-se um quarto vazio, uma cadeira que ainda baloiça, uma noite mal dormida ou um amanhecer ao teu lado.

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20 de setembro de 2007

Vê-se...

... e sente-se uma pequenez enorme, quando se olha nos olhos a perda de sentido. Aquela imensa confusão chegada de repente, porém instalada ao longo de um tempo mal medido e longe do presente que a traz consigo.
Sente-se a falta de palavras e escuta-se sem precisar de ouvidos, o discurso intercortado, inacabado, como que deixando fugir ideias demasiado penosas para chegarem à voz. Aquela ausência de explicação quando tudo o que se lê naqueles olhos era encontrar a mais simples que fosse, para acalmar um coração atormentado.
Sente-se o tom baixinho da confissão impossível, porquanto ininteligível aos demais e calada àqueles de todos os dias.
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Enfim, sente-se a pessoa. Que pensa, vive, caminha, acredita, ambiciona. Aquela que sente e cresce a cada dia sem barreiras que lhe consigam travar o enriquecimento do ser.
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E ao sentir a pessoa, a pequenez que poderia rondar a impotência, transfigura-se num sorriso, num abraço, num silêncio; cresce depois um bocadinho, ganhando força de palavra dita ao sabor do pensamento. De um pensamento que assimilou os sentires e falou depois de mansinho.
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Quem me dera não perder de vista aqueles olhos, aquele sentir, aquele ser, aquela pessoa. Vale a pena. Nem que por um momento. Seja de sorriso rasgado ou de pensamento vagabundo, que me chegue à porta, aos olhos, ao abraço.
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17 de setembro de 2007

Palavras soltas...

... correm hoje sem escrita, errantes num caminho sem setas nem guias, perdendo-se naquelas folhas que são lidas num tempo sem hora marcada, por olhos de mil cores e profundidade sem fim.

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E dou então assim hoje primazia aos sons. À mensagem que as palavras cantam fora do papel. Àquela que quero que voe até chegar ao destino que conhece; afinal, o único com alguma luz acesa e quente.

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14 de setembro de 2007

All in All

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"- Vou ler um bocadinho. Até amanhã."
E mais não é preciso. É noite. O jantar já foi. E toda a gente está em casa, preparando-se para sair ou para ficar no descanso de um lugar acolhedor.
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É apenas discurso recorrente, comentário com barbas para não ter que ficar ali; sem vontade de conversar, sem o mínimo interesse nas figuras que povoam a televisão ligada, completamente indiferente às imagens das revistas que espelham o mundo lá fora, imensamente longe daquele lugar.
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São apenas palavras inconsequentes, não concretizadas ao passar a porta do meu reduto. No fundo, nem leitura nem escrita. Nada. Apenas um acender de luz ténue, numa tentativa de coisa nenhuma ou de afastar o escuro que dança nas paredes altas e que nem o luar lá fora consegue clarear.
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Somente um sentar e recostar na cama desconfortável, olhando não sei para quê, porquê ou até quando. Por vezes cruzando as pernas, algumas outras abandonando o corpo à inércia. Sentindo vontade de nada dizer nem fazer e ficar só ali. Só. E ali. Sem mais nada. Sem contar o que for a quem quer que seja. Não esquecendo a dúvida, porém ansiando por não ser assim. Por não estar assim. Sem querer. Sem gostar. Intringando quem ousa perceber, infelizmente.
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Nada mais do que silêncio por entre acordes que ainda vão entrando naquele quarto. Um silêncio de alma, pensamento, sentimento. De tudo. Que cresce quando o sono se escapa por entre os dedos, esse sono que teme a manhã, a madrugada e a noite que ainda é.
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E uma lágrima que não corre.
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"- Vou ler um bocadinho. Até amanhã."
E mais não é preciso. Ninguém tem que saber que os livros há muito não são desfolhados. Esquecidos e evocados sob a máscara da desculpa evitante.

12 de setembro de 2007

Visões reais

NYC
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Vi hoje mil cores ao sair de casa, num céu que noutros sítios se carrega de tons escuros e humedecidos pela água que um dia esteve cá em baixo, bem perto deste rio que tenho ao pé. Nesse mesmo imenso céu que amanhecia em tons de azul, chegando mais perto do chão pelo vento quente que chegara na madrugada ida, anunciando o calor de um dia fora de tempo. Mas não de lugar.
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Com essas cores continuei, percorrendo estradas apinhadas de gente apressada, com destino mas sem vontade de chegar; querendo, enfim, apenas ficar. E olhar as cores que pude eu apreciar sobre a cidade ainda adormecida, lançando no esquecimento o desalento de um dia igual a tantos outros, em vidas outrora sonhadas e agora somente sobrevividas.
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Olho agora através da janela e continuo a decobrir essas cores por entre o betão silencioso.
Talvez tenham sido elas que o calaram.
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10 de setembro de 2007

E não tarda dormirei uma vez mais

Summer Night, Dali
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Adormecerei sentindo ainda o respirar sereno, sussurrando num abraço um fica ao meu lado que não precisa ser pensado, quanto mais falado na voz dos mortais.
Cairei na cama escutando o silêncio lá fora, nem sequer perturbado pelos animais da noite ou um bafo de vento rebelde. Apenas, escuridão e silêncio; aqueles companheiros do sono e da falta dele, contando as histórias que conheço de cor e tantas outras vindas do futuro esbatido, ali mesmo, ao dobrar da esquina.
Tomar-me-á a necessidade de dormir, até novamente olhar os números no relógio e ser tempo de levantar o corpo e acordar a nunca dormente cabeça mergulhada na almofada horas antes.
Em poucos minutos, apagar-se-ão as luzes suaves do quarto, os perfumes ganharão nova vida na penumbra, os sulcos deixados por lágrimas fugidias cravar-se-ão mais fundo na pele, fundindo-se com o rosto inquisidor de sempre, e a música que agora canta baixinho ao ouvido, cessará de ecoar. Talvez perdure uma oração sem nome, até desaparecer a força que mantém ainda abertos estes olhos contadores de tudo e guardiões do absolutamente impartilhável.

9 de setembro de 2007

Acordei assim

Narciso, Dali
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Na alegria plena, na tristeza arrebatadora e sufocante, na vibrante felicidade eterna, no desespero intolerável, talvez roguemos, agradeçamos, rezemos, conversemos, supliquemos ao mesmo Deus. Será então mesmo preciso por de parte os instantes de silêncio em conjunto, aprendendo com as diferenças, e cair na banal crítica barata e desprezo mesquinho? "- Não!", dir-me-ão indignados os interlocutores, para logo e ao virarem costas, lançar em todas as direcções olhares, gestos e palavras abafadas na vergonha da sua pequenez. Pobres diabos.
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7 de setembro de 2007

Entre vírgulas

Um quase não ter sono mas uma vontade grande, tão imensa como o medo do escuro das crianças assustadas, de dormir sem saber onde acordar. Um olhar demorado àquele céu calmo, sem saber bem se sair do carro já frio ou ficar todas as horas da noite nos degraus quentes a poucos metros dali. Uma passagem breve pela escrita outra vez. Falando palavras no papel, emudecidas pela turbulência do pensamento.


Lost old church (caught somewhere sometime ago)
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Caminhar sem saber se são nossos os passos que estremecem o chão por onde vagueamos sozinhos, contorce a essência de nós e distorce a imagem reflectida aqui, além, algures. E chegada a hora de parar e decidir sem opções, quebra-se o encanto da ilusão. Outra vez. Ou pela primeira vez. Realmente. Profundamente.

Resta uma presença. Um silêncio despretensioso. O único que permite que grite sem proferir palavra, chore melodiosamente, olhe e diga o que já sabe sem discursos banais.
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Até amanhã.
Vou até lá fora outra vez. Ou então apenas à recordação do calor das estrelas que retenho.
Na companhia de um perfume.

4 de setembro de 2007

Cores invisíveis

Estive a olhar para aquele vazio uns minutos.
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Lá para Norte na Europa, Agosto '07
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Vazio ou simplesmente despido de adornos dispensáveis, porque, no fundo, via-se ali muito mais do que nas estreitas ruas da cidade apinhada de gente perdida. Uma extensão imensa de água sobre fundo escuro e rochoso, extraordinariamente calma e adormecida, por acaso. Muito serena e contrastante com o frio agreste que um vento aguçado trazia contra a minha cara queimada, aqui e além, pelo Inverno antecipado. Oposta até à chuva pesada do norte que caía, qual cortina cistalina, naquele palco onde não me importava de caminhar. Quem sabe até onde. Quem sabe porquê.
Fitei o horizonte o mais longe que os meus olhos cansados podiam alcançar naquela hora silenciosa. Uma gaivota. Duas. Sobrevoando rochedos esguios numa esquina do que a minha visão permitia ver, detendo-se apenas ao pousar em porto seguro, adivinhando a noite de tempestade que se preparava lá longe, onde o mar caminhava para tocar outras terras, e que num piscar de olhos chegaria também ali. À areia onde por minutos de ausência, perdi a noção do tempo. E recordei apenas vultos familiares. E um perfume. Cúmplice.

Agosto '07 @ Mar do Norte