7 de novembro de 2007

Ao som da casca que estala

Está ainda calor no tempo do cheiro quente das castanhas estalando no lume, vertendo no ar o fumo branco que delineia a esquina onde repousa o velho que as oferece às crianças que passam. Partiu o frio e a chuva, ficou o sorriso dos petizes e da gente grande ao pegar no cone de jornal que guarda a iguaria por que esperaram todo o ano. Vejo os seus olhos brilharem ao entregarem as moedas e receberem o tesouro quente, oferecido pela avó carinhosa, a mãe apressada, o namorado atento.
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Está um tempo diferente e com ele mudou também quem sou e surge a dúvida do que fui. Os acordares têm apenas o sentido que lhes pode dar aquele desejo que reside em mim, de ver sorrir genuinamente os poucos que me rodeiam. Esse brilho que lhes vem de dentro e que me é suficiente e objectivo maior. Os acordares, explicando melhor o inexplicável, não têm qualquer outro valor nem luto para que o encontrem, porque o que agora acontece à luz do Sol ou na escuridão de noites sem dormir, é vazio de tudo. De sentido, de interesse, de vontade de os encontrar, de tranquilidade, de alegria na alma.


Vazio. Angustiante na proximidade de caras, pessoas, trabalhos, atitudes, comportamentos.
Exaustante.
Aterrador na perspectiva das horas passadas agora e depois destas que se contam.
Solitário. E por isso triste.
Está um tempo diferente e já não gosto da companhia de mim que me confortou tantas e tantas vezes.
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Talvez escape um pouco na escrita, em histórias nascidas não sei bem onde ou com qeu argumento.
O resto, esse que me pareceu um dia tudo ou perto da plenitude, não conta agora. E dele apenas quero distância. Para sempre.
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5 comentários:

O Profeta disse...

Passei para ler os teus sentires...


Alva pena transporta as mágoas
Rasga as águas e desalinho
Grito de gaivota, dança de amor
Penas choradas em tom baixinho


Boa semana


Mágico beijo

Anónimo disse...

Minha Amiga...
Para sempre quero eu continuar a ler as tuas palavras. Trazem o brilho nos olhos das castanhas nas mãos dos meninos, o sabor há tanto esperado...
Para sempre, escrever é o que deves fazer, fazes-me falta, gosto de te ler...

Oliver Pickwick disse...

Aprecio a sua criatividade, prezada amiga. Se manifesta logo de início, ainda na escolha do título do post: Ao som da casca que estala. Em seguida, transforma-se numa mini-crônica bucólica; segue-se outra mini-crônica melancolicamente densa; finalizando num mini-texto de angustiantes versos em prosa.
E tudo isso num único post.
Espero que o "angustiantes" seja apenas por conta da sua incrível capacidade criadora.
Um beijo e tenha a melhor das semanas!

O Profeta disse...

Arranquei as cordas à viola
Calei este altivo tambor
Emudeci meu prazenteiro canto
Sou tecelão de sentires no vale do desamor


Bom fim de semana


Mágico beijo

Alma Nova ® disse...

Minha amiga
Muitas vezes as desilusões são tão fortes que quase....nos derrubam. Mas tem de ficar no "quase". Nada te pode ou deve impedir de sentires este tempo ainda quente, os sabores esperados, os cheiros desejados... Deixa que a tua alma voe pela vida!