14 de dezembro de 2007

Viagem a lado nenhum

Num dia frio, percorri as ruas estreitas da serra.
Subi, ao meu passo, sem procurar ser mais rápida do que o vento nem chegar antes do ruído das motas que aceleravam na estrada principal, a encosta banhada pelo Sol da tarde que nascera há poucos minutos. Escolhi as ruas de paralelo, estreitas, ladeadas por muros baixinhos; aquelas onde passeiam gatos espertos acordados pelo barulho dos pássaros. Olhei as casas de outros tempos, vendo sorrisos enrugados pelo tempo à janela e acenos aos netos que, travessos, corriam porta fora para mais uma tarde de escola. Senti aquele aroma inigualável da fruta nas bancas da mercearia e aquel'outro odor típico: o das drogarias, adivinhando lá ao fundo, para lá das portas de madeira vermelha brilhando ao Sol, os rolos de arame, os vedantes de borracha, as tintas e vernizes, o diluente e as galochas, os carrinhos de mão e todas as ferragens que a imaginação alcance.

Quase no fim do caminho serpenteante, de modo algum cansada, apenas apreciando os pormenores da simplicidade, degustei os cheiros da horta. Eram as couves do Natal. Sim, as hortaliças portuguesas pedindo para ser colhidas, como em criança recordo acontecer por esta altura, lá na quinta onde a madeira estalava, o fumo subia alto sobre cada uma das casas grandes, e menos um pouco nas mais modestas, e crescia a pouco e pouco a azáfama dos doces e pitéus de arregalar o olhar.

Cheguei, entretanto, lá acima. Saí das ruas onde caminhara e parei numa espécie de miradouro improvisado. Podia ver, ao longe, toda a cidade envolta num céu azul pintalgado de núvens de gelo. E ouvir o silêncio interrompido pelos sinais da gente, dos animais, das plantas oscilantes ao toque do vento. A música que me acompanhara na subida, sei lá se ininterruptamente, tocava baixinho ao meu ouvido. A letra, esse desabafo embalado pelos acordes, martelava e contava uma história. Talvez tenha sido por isso que a escolhi. E pela memória.
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And I'd give up forever to touch you
'Cause I know that you feel me somehow
You're the closest to heaven that I'll ever be
And I don't want to go home right now
And all I can taste is this moment
And all I can breathe is your life
'Cause sooner or later it's over
I just don't want to miss you tonight
And I don't want the world to see me
'Cause I don't think that they'd understand
When everything's made to be broken
I just want you to know who I am
And you can't fight the tears that ain't coming
Or the moment of truth in your lies
When everything feels like the movies
Yeah you bleed just to know you're alive
And I don't want the world to see me
'Cause I don't think that they'd understand
When everything's made to be broken
I just want you to know who I am
I don't want the world to see me
'Cause I don't think that they'd understand
When everything's made to be broken
I just want you to know who I am


5 comentários:

Afonso Faria disse...

Extraordinária a forma como consegues transportar-nos rua a cima, vendo com os teus olhos(ai essa observação da drogaria-senti os cheiros).
Aí vive-se! Sente-se, está-se desperta!

Idiota disse...

Este post fez-me lembrar "velhos" tempos quando jovem em que passava férias longe do "mundo" e em que escorregar pelos passeios borda estrada e suspirar por entre as quintas era o que eu fazia. A música é que é posterior...e é bela.

[Revi o "apenas, porque sim" e sorri.]

jumpman disse...

"You're the closest to heaven that I'll ever be"

Fitando o olhar que magnetiza.

Oliver Pickwick disse...

Humm... Maria José ataca de novo com a irretocável descrição de paisagens que "falam" e têm sentimentos.
Um beijo, e tenha o melhor dos fins de semana!

Alma Nova ® disse...

E, através dos teus olhos, subi a encosta e deleitei-me na visão sobranceira da cidade! Amiga, a tua escrita leva-nos pelas tuas paisagens que se tornam reais, parecendo tocar-nos com a ponta dos seus dedos.