7 de janeiro de 2007

Ao volante

Guiava na serra, no meio do nevoeiro baixo e escuro, na estrada sem luz. Uns quantos carros passavam também por ali; via bem as luzes; as vermelhas daquele serpenteando um pouco mais além e os raios brancos tímidos, daquele outro que se cruzou comigo.

E, entretanto, vieste de novo ter comigo. Tolice, não tu em pessoa. Isso não era possível, ali, no meio de nada [aliás, nem no meio de alguma coisa seria…]. Porém, senti-te tão perto… e aos sonhos [sei agora que nada mais eram do que “futuros” imaginados, sem fundamento além da imaginação de anos passados] a que demos voz, corpo e sei lá mais o quê; mesmo quando não os desenhávamos nas conversas nem pintávamos com cores berrantes.

Ouvi que já não falava da mesma maneira das coisas que dantes fazia ganharem novo fôlego ou empolgarem quem me escutava. [Ah, ah, ah! Não devia rir assim…] Ouvi isto num dia destes, sem número e, com e como a sensação de ti, também estas palavras ecoaram, naquela viagem até sítio nenhum. Sabes, se estivesses por cá talvez te tivesse contado desta grande apreciação que fizeram da minha perda. E, daí, talvez não precisasse; verias por ti essa ausência, olhar-me-ias e eu saberia então que era visível o que jamais voltaria a ser igual.


Mas não estás e não lamento que durmas agora numas coordenadas diferentes. Afinal, estás onde te levou o caminho do sonho. Sim, aquele que partilhaste há tanto, tanto tempo. Olho a estrada e, com a sensação de ti, vem até mim cada tarde e noite sem fim; quando representavas para uma plateia imaginária, cantavas para clarear a voz, declamavas pelo simples prazer de sentir as palavras dentro de ti.

No meio daquele arvoredo queimado e sem cor, outras tantas fracções de momento chegam e partem, desligando o meu pensamento inconstante, do som que se escapa do cd. Arrependimento, mágoa, pena, desilusão, raiva, tristeza. Tudo num instante pleno de… saudade.

Saudade do tempo em que aqueles sonhos ainda eram possíveis sobre as mantas do meu sótão.
Saudade das horas de indecisão que gostaria de ter levado p’ro futuro de maneira diferente, apenas para ter saído daqui e vivido sem a sombra do que era conhecido.

Não se deve pegar no carro embriagado… e a mim pareceu-me, num rasgo de sapiência, que a consciência estava a pregar-me partidas. Solução? Avançar uma música, aumentar o volume e deixar-te partir e ao que quiseste que te contasse, assim, à distância. Porque, no fundo, tudo aconteceu para que voltássemos a falar, ou não?

Descendo a encosta, olhando as passadeiras escondidas, as ruelas vindas do nada e os gatos assustados, escutando de novo a música companheira… não, outra vez não! Outra espécie de pensamento intrusivo!

Será que se pode viver sempre em paixão? Terá ela sempre que desaparecer para dar lugar a qualquer outra coisa? Ou não será preciso amordaçar e asfixiar a paixão, mesmo se e/ou quando, a outra coisa que nem me atrevo a nomear [não sei o que seja], decidir que é altura de tomar o seu lugar?

Bem, é o portão grande.
Cheguei.

1 comentário:

jumpman disse...

Uma viagem diferente. Com uma companhia especial.

Acredito que não se deva amordaçar a paixão. Mas sei que é difícil tal não acontecer. Especialmente quando percebemos que as coisas foram perdidas..

E sim, fica a saudade de outros tempos, em que tudo era possível e talvez fossemos invencíveis.

A solução? Não existe. Ou existe, consoante cada um de nós.

Uma certeza? Continuar ao volante, quem sabe de vez em quando acompanhada por essa presença que vem de outras coordenadas.

***