27 de janeiro de 2007

Ali, de olhos perdidos

Estava ali, a dois ou três passos de mim, naquele espaço tão grande, tão cheio de gente e repleto de escolhas.

Magra, com o peso dos anos sobre os ombros finos, vestindo cores escuras, desbotadas, gastas pelo sol e pela humidade dos dias frios desta cidade; com dedos esguios, trémulos, gretados pelo gelo da manhã, e cabelos já sem cor nem brilho. Talvez outros dias tenham visto o castanho que agora apenas imagino, mas neste em que a senti perto, somente o cinzento baço espreitava sob o lenço negro.
Numa mão, um pequeno porta moedas envelhecido e leve. Demasiado leve.
Na outra, nada. O vazio.

Ouvi então as tuas palavras, vi o teu olhar húmido de soslaio e percebi que repararas no mesmo que eu. "Não consigo ver aquela senhora ali, perto da charcutaria. Pega numa e noutra daquelas pequenas embalagens, não se conseguindo decidir. Como me custa pensar [e ter a certeza] que a dúvida nasce da impossibilidade de poder comprar qualquer delas. Com uma reforma de miséria, não conseguirá sequer preparar uma sopa quente à moda da aldeia."

Repararas naquele vulto invisível à maioria. Ali, de olhos perdidos.


25 de janeiro de 2007

A caminho do sono

No fundo, a dúvida das palavras.

Quantas linhas são precisas para se escrever o que se quer dizer?

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Never Tear Us Apart, INXS

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'cause we all have wings

But some of us don't know why

21 de janeiro de 2007

Solução e des-solução

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Poder-se-á misturar água e azeite? Acabar com a sua identidade e individualidade?
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Melhor, a ser possível, por que fazê-lo? Talvez por ímpeto, para ser o alquimista que transformou grafite em diamante, aquele que conseguiu o impossível, o inimaginável num mundo de realidades. Sinceramente, prefiro o mago que brinca com poções e pós cintilantes de todas as cores, dando vida a sorrisos e brilho aos dias escuros de um qualquer alguém perdido nas horas de um dia sem fim que se repete. No fundo, prefiro deixar a água ser água e o azeite ser azeite; que a água sacie a sede e o azeite tempere suavemente, ambos precisos, qualquer dos dois essencial, tanto um como outro trabalhando em conjunto, sem jamais deixarem de ser água e azeite.
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Não quero uma mistura inútil e amarga, visualmente perfeita, conceptualmente fenomenal, na realidade um fracasso.
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Gosto de sentir os diferentes paladares e os aromas que flutuam ao meu redor a todo o momento. Não quero perder o doce nem o amargo, o ácido ou o salgado, tão-somente para dizer que em vez de água e vinho, tenho uma solução [perfeita] esbatida e discreta. Opto pela des-solução [se pudesse].


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É tão melhor abrir os sentidos, aguçá-los ao Sol a cada passo e perceber o que há para descobrir, sem apagar aqueles detalhes únicos que fizeram com que se caminhasse pela primeira vez.

18 de janeiro de 2007

Depois da pausa

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Determinação? Olha-me nos olhos e procura a resposta, porque não quero perder tempo com discursos sem fim em conversas de surdos e cegos.



11 de janeiro de 2007

Conclusão



Tem nome.
Medo.


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10 de janeiro de 2007

Irreconhecível

Em resposta ao teu postal de Boas Festas, que, vergonhosamente, tardo em retribuir [este ano fiz greve aos postais, aos telefonemas e às mensagens de telemóvel], comecei a escrever-te uma carta naquele papel fininho cor de céu nebulado que comprámos há uns anos, lembras-te?



Não sei quem vejo neste espelho. Alguns trejeitos são familiares, mas mesmo as rugas que vão surgindo ao franzir o sobrolho, são agora de outra pessoa qualquer. Não reconheço o pensamento, o sentimento, a emoção. Não sei onde está quem julgava imperdível e muito menos consigo apanhar o rasto de quem queria ser.

Dizem-me que são as hormonas que me inundam de fora, em competição com as rebeldes que sempre tive, estando agora o resultado à vista... manias típicas de gaja.
Ou então nada me dizem, olhando com impotência e admitindo a ignorância de mim.

Porém, o mais certo, o mais comum e natural, é tão-somente nem sequer chegar a ser sabido pela gente, que não estou contente. Que gostava de adormecer no polo norte num quebra gelo ou fotografar as planícies inóspitas da Patagónia. Que queria deitar fora todos os arrependimentos que hoje tenho e esquecer o papel que encarno, esteja onde estiver, porquanto não posso separar-me da minha pele. Que devia estar agradecida pelas graças com que tantos sonham e de que disfruto [de mão beijada...], mas não vejo já onde está a pessoa que te levou a acreditar e a ir mais além. Simplesmente, esfumou-se e espera, sem grande alarido, que as cinzas carreguem no ventre uma nova Fénix.

Amanhã ponho a carta no correio e, se não houver greves [afinal, sabes que é o prato-do-dia neste rectângulo que quer um TGV com paragem em cada lugar com um ou mais habitantes], talvez chegue ao teu reduto nos próximos dias.

Parece-te que escrevi como nunca fiz num diário de frustrações? Bem, não sei que te diga. Não te perguntei pelo Tomás nem se já transformaste aquele sótão fabuloso onde ainda hei-de passar umas horas, um dia. Mas tudo isso está no meu pensamento e não me esqueci tão-pouco do teu aniversário daqui a poucos dias [será que lês a carta antes do telefonema no dia do envelhecimento?]. Sei, contudo, que uma missiva com um mero olá e adeus seria uma ofensa e, mesmo à distância [sobretudo por isso], não me deixarias de repreender por encobrir um desabafo.

E talvez as primeiras linhas tenham sido apenas isso. Uma coisa qualquer esquisita e irrepetível [querem que creia], que me fez apenas sair do quarto e da companhia do bloco e da caneta, sentar-me diante do Sol poente e olhar o verde em redor, os patos do lago, a areia grossa do caminho e o mar, à distância de uns passos.

Ao retomar esta carta [será a retribuição das Boas Festas um pretexto?] tenho vontade de acender a lareira com o papel sedoso onde escrevo. Só que... iria cair depois na missiva impessoal. E não, tudo menos isso. Envio-te então, à minha conta e risco, o que foi brotando em tinta permanente. Não que me agrade ler o que te disse. Porém, não tenho motivação para começar tudo de novo. Sim, perdi a vontade. Só isso. E custa-me sentir os olhos humedecidos à minha volta. Vi-os há instantes...

Mas tu, diverte-te no Inverno frio da tua nova casa. Sei o quanto gostas de passear nas ruas aquecidas e do chocolate quente sob o pretexto do tempo agreste... :)

Até um dia.
Do papel para o mundo

Moby's sound

Why does my heart feel so bad?

Why does my soul... feel so bad?

8 de janeiro de 2007

Apressadamente

Escrevi, risquei, rasguei.
Voltei a pegar no bloco e na caneta.
Nada.
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É difícil manter a mão firme com tantos encontrões e gente apressada rodopiando em volta da minha cadeira. Queria mandar-te uma carta à moda antiga. Queria que recebesses em casa, na hora do correio, um envelope com o cheiro deste lugar, a cor deste céu, as palavras imediatas e sem emendas digitais; contar-te como foram os meus dias e as noites antes de cada madrugada neste sítio diferente; deixar que a tua imaginação construa o que nenhuma fotografia mostra verdadeiramente.
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Curioso... enquanto pensava no que te queria dizer e porquê desta maneira, o papel encheu-se de linhas. E até te envio a morada da minha próxima paragem... não vá quereres um reencontro com a esferográfica.
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Ainda irei a tempo de procurar os correios neste aeroporto de doidos? Dir-me-ás depois.
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Chasing Cars, Snow Patrol

I don't quite know
How to say
How I feel

7 de janeiro de 2007

Ao volante

Guiava na serra, no meio do nevoeiro baixo e escuro, na estrada sem luz. Uns quantos carros passavam também por ali; via bem as luzes; as vermelhas daquele serpenteando um pouco mais além e os raios brancos tímidos, daquele outro que se cruzou comigo.

E, entretanto, vieste de novo ter comigo. Tolice, não tu em pessoa. Isso não era possível, ali, no meio de nada [aliás, nem no meio de alguma coisa seria…]. Porém, senti-te tão perto… e aos sonhos [sei agora que nada mais eram do que “futuros” imaginados, sem fundamento além da imaginação de anos passados] a que demos voz, corpo e sei lá mais o quê; mesmo quando não os desenhávamos nas conversas nem pintávamos com cores berrantes.

Ouvi que já não falava da mesma maneira das coisas que dantes fazia ganharem novo fôlego ou empolgarem quem me escutava. [Ah, ah, ah! Não devia rir assim…] Ouvi isto num dia destes, sem número e, com e como a sensação de ti, também estas palavras ecoaram, naquela viagem até sítio nenhum. Sabes, se estivesses por cá talvez te tivesse contado desta grande apreciação que fizeram da minha perda. E, daí, talvez não precisasse; verias por ti essa ausência, olhar-me-ias e eu saberia então que era visível o que jamais voltaria a ser igual.


Mas não estás e não lamento que durmas agora numas coordenadas diferentes. Afinal, estás onde te levou o caminho do sonho. Sim, aquele que partilhaste há tanto, tanto tempo. Olho a estrada e, com a sensação de ti, vem até mim cada tarde e noite sem fim; quando representavas para uma plateia imaginária, cantavas para clarear a voz, declamavas pelo simples prazer de sentir as palavras dentro de ti.

No meio daquele arvoredo queimado e sem cor, outras tantas fracções de momento chegam e partem, desligando o meu pensamento inconstante, do som que se escapa do cd. Arrependimento, mágoa, pena, desilusão, raiva, tristeza. Tudo num instante pleno de… saudade.

Saudade do tempo em que aqueles sonhos ainda eram possíveis sobre as mantas do meu sótão.
Saudade das horas de indecisão que gostaria de ter levado p’ro futuro de maneira diferente, apenas para ter saído daqui e vivido sem a sombra do que era conhecido.

Não se deve pegar no carro embriagado… e a mim pareceu-me, num rasgo de sapiência, que a consciência estava a pregar-me partidas. Solução? Avançar uma música, aumentar o volume e deixar-te partir e ao que quiseste que te contasse, assim, à distância. Porque, no fundo, tudo aconteceu para que voltássemos a falar, ou não?

Descendo a encosta, olhando as passadeiras escondidas, as ruelas vindas do nada e os gatos assustados, escutando de novo a música companheira… não, outra vez não! Outra espécie de pensamento intrusivo!

Será que se pode viver sempre em paixão? Terá ela sempre que desaparecer para dar lugar a qualquer outra coisa? Ou não será preciso amordaçar e asfixiar a paixão, mesmo se e/ou quando, a outra coisa que nem me atrevo a nomear [não sei o que seja], decidir que é altura de tomar o seu lugar?

Bem, é o portão grande.
Cheguei.

6 de janeiro de 2007

One everything

Já considerada uma das melhores, senão mesmo a melhor, letra desde que há memória, hoje que estou apenas a reler passagens de livros devorados noutros dias, outra vez a ouço e penso. Penso nas tantas e tantas interpretações que cada um lhe pode dar. Na alegria e tristeza que um mesmo eu pode ver. Na desesperança e no alento..E recordo a magia de a sentir ao vivo.
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One, U2.

Have you come here for forgiveness?
Have you come to raise the dead?
Have you come to play Jesus
To the lepers in your head?

4 de janeiro de 2007

Smarties



Pois é. Smarties. Uma espécie de discos voadores de chocolate colorido, cuidadosamente acondicionados em tubinhos.
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Lembro-me das construções que o senhor da confeitaria fazia e que deliciavam os miúdos de olhos vivos, ali achados com as mães ou avós num fim de tarde de Inverno.
Lembro-me das caixas [incontáveis] que a minha mãe comprava... mas "nada de goludices entre refeições! E nada de devorar aquelas pequenas maravilhas sem depois uma boa escovadela de dentes!"
E lembro-me do entusiasmo ao abrir, ao sentir o aroma do chocolate e ao escolher que cor comer primeiro...
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Lembro-me muito bem de cada um destes pormenores e ontem pude reviver um pouco dos instantes que outrora foram presente.
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Chegando devagarinho por trás de mim, mas com aquele caminhar inconfundível de mãe [sobre a madeira do chão, ecoando ao bater dos tacões dos sapatos aguçados], pôs-me no regaço um daqueles tubinhos. E depois... depois sorriu, deu-me um beijo de boa noite e deixou-me com os meus discos voadores coloridos.


3 de janeiro de 2007

2000+7

Já há muitos dias que não pego na caneta.
Hoje? Passei minutos sem fim simplesmente olhando o monitor e questionando, afinal, o que queria escrever, se é que havia esse querer.

Falar do Natal? Da passagem d'ano e daqueles desejos que [supostamente] se pedem ao devorar as doze uvas passas [porque até se podem concretizar (right...)]? Do frio? Fazer um balanço, qual hipermercado com stocks para repor? Contar uma história? Contar a história da vontade que já não tenho de...?

Ouço vozes conhecidas pedindo que volte às minhas frases; àqueles textos que fui deixando um pouco por todo o lado, fosse em papel, fosse noutro formato qualquer. A verdade? Talvez não valha a pena e não haja motivo para encher páginas daqueles cadernos que guardo numa gaveta desde que consigo ter memória.

Hoje? Talvez faça nada.