Voltei a pegar na caneta. Apenas e só. E continuei as palavras.
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Primeiro um olho. Depois o outro. Talvez… mas acredito antes que ambos em simultâneo, numa dança instantânea de fim de noite, se abriram pausadamente.
Sobre a mesinha esguia da antecâmara, os brincos e a gargantilha repousam ainda. Ao seu lado, no chão que a tímida luz de velas perfumadas enche de reflexos, permanecem os negros sapatos de cetim; e, sobre o sofá macio, o vestido despido sem memória já a noite ia alta.
“Bom dia, menina!” Sim, é certo que a vira crescer. Que presenciara os primeiros sucessos, as brigas e as birras, que assistira sem interferir naqueles dias em que amigos que se perderam, decisões foram tomadas. Mas não deixava de a surpreender. Como sabia sempre que tinha já despertado do sono sem tempo, nem que o estivesse ela negando ao próprio corpo? Certamente jamais viria a entender se algum feitiço de conto de fadas lhe dava aquele poder imenso de saber do seu acordar e adormecer. Saberia também do seu chorar? Das lágrimas que por vezes lhe corriam no peito, brilhantes e cortantes? Invisíveis na sua natureza cristalina?
Primeiro um olho, depois o outro, orientou o olhar por entre o aroma da manhã e das velas ainda ardendo, e com ele respondeu ao cumprimento.
Sentiu o contrair de cada músculo em despertar lento e deixou-se tocar, ainda entre lençóis de seda, pela luz nascente que entrava sem pedir licença ao abrir enérgico dos pesados reposteiros. Deixou que, mais uma vez, em mais um dia, mais uma manhã, os raios frios viajando no Inverno a chamassem pelo nome. Conhecia já a sensação ímpar de os deixar dar sempre novos e diferentes reflexos ao quarto ainda adormecido, colorindo os vidros das grandes portas, brincando com todos os tons daquele seu refúgio.
Sobre a mesinha esguia da antecâmara, já não estavam os brincos e a gargantilha. Os sapatos de outras horas eram já habitantes de outra morada. E o vestido estava também agora repousando entre os seus pares, num espaçoso armário de madeira colonial e aroma inconfundível [pelas pequeninas almofadas de flores secas, pela resina outrora nascente, pelos perfumes imortais dos diferentes vestidos]. Alguém tinha já cuidado para que nada estivesse em desalinho. Ah! E para que viçosas florzinhas de mil cores ajudassem o Sol da estação fria; três finas jarras discretas, cada dia em poiso próprio, adornavam, despretensiosas, aquele refúgio agora aberto a um novo dia.
Chegando perto de uma das portas, tocando ao de leve num dos vidros, sentiu o contraste. O frio lá fora; o calor do quarto, da casa, do corpo acabado de ser levantado da maciez daquela alcofa.
De par em par abriu então as pesadas portas e avançou na espaçosa varanda de mármore mesclada, aqui e além adornada por aquelas plantas exóticas nascidas em países do Norte. Um arrepio… um calafrio vindo de fora percorreu cada contorno de si. Era o Inverno a chamar o seu nome. Tal como instantes antes o Sol ousara fazer. Fitando o horizonte, de mãos firmemente apoiadas naquele murinho gelado, olhou. Olhou as árvores do jardim estendido sobre os seus pés, as folhas caídas que alguém apanhava freneticamente, as pedrinhas dos caminhos serpenteantes, o lago que sempre a encantara, as estátuas (verdadeiras esculturas geradas noutros eras) imóveis. Vivas?
Chamando por si também estava uma outra voz conhecida. O banho, a água fumegante numa sala cuidadosamente preparada a escassos metros dali, aguardavam-na.
Não era sonho, nem pesadelo.
Era manhã nascente. Realidade.
Da noite anterior, apenas umas quantas memórias. Fragmentos de momentos que não sabem se têm direito ou dever de existir.
Memórias, fragmentos, momentos, acontecimentos afinal sem novidade. Sem novidade…
O banho esperava-a.
Sobre a mesinha esguia da antecâmara, os brincos e a gargantilha repousam ainda. Ao seu lado, no chão que a tímida luz de velas perfumadas enche de reflexos, permanecem os negros sapatos de cetim; e, sobre o sofá macio, o vestido despido sem memória já a noite ia alta.
“Bom dia, menina!” Sim, é certo que a vira crescer. Que presenciara os primeiros sucessos, as brigas e as birras, que assistira sem interferir naqueles dias em que amigos que se perderam, decisões foram tomadas. Mas não deixava de a surpreender. Como sabia sempre que tinha já despertado do sono sem tempo, nem que o estivesse ela negando ao próprio corpo? Certamente jamais viria a entender se algum feitiço de conto de fadas lhe dava aquele poder imenso de saber do seu acordar e adormecer. Saberia também do seu chorar? Das lágrimas que por vezes lhe corriam no peito, brilhantes e cortantes? Invisíveis na sua natureza cristalina?
Primeiro um olho, depois o outro, orientou o olhar por entre o aroma da manhã e das velas ainda ardendo, e com ele respondeu ao cumprimento.
Sentiu o contrair de cada músculo em despertar lento e deixou-se tocar, ainda entre lençóis de seda, pela luz nascente que entrava sem pedir licença ao abrir enérgico dos pesados reposteiros. Deixou que, mais uma vez, em mais um dia, mais uma manhã, os raios frios viajando no Inverno a chamassem pelo nome. Conhecia já a sensação ímpar de os deixar dar sempre novos e diferentes reflexos ao quarto ainda adormecido, colorindo os vidros das grandes portas, brincando com todos os tons daquele seu refúgio.
Sobre a mesinha esguia da antecâmara, já não estavam os brincos e a gargantilha. Os sapatos de outras horas eram já habitantes de outra morada. E o vestido estava também agora repousando entre os seus pares, num espaçoso armário de madeira colonial e aroma inconfundível [pelas pequeninas almofadas de flores secas, pela resina outrora nascente, pelos perfumes imortais dos diferentes vestidos]. Alguém tinha já cuidado para que nada estivesse em desalinho. Ah! E para que viçosas florzinhas de mil cores ajudassem o Sol da estação fria; três finas jarras discretas, cada dia em poiso próprio, adornavam, despretensiosas, aquele refúgio agora aberto a um novo dia.
Chegando perto de uma das portas, tocando ao de leve num dos vidros, sentiu o contraste. O frio lá fora; o calor do quarto, da casa, do corpo acabado de ser levantado da maciez daquela alcofa.
De par em par abriu então as pesadas portas e avançou na espaçosa varanda de mármore mesclada, aqui e além adornada por aquelas plantas exóticas nascidas em países do Norte. Um arrepio… um calafrio vindo de fora percorreu cada contorno de si. Era o Inverno a chamar o seu nome. Tal como instantes antes o Sol ousara fazer. Fitando o horizonte, de mãos firmemente apoiadas naquele murinho gelado, olhou. Olhou as árvores do jardim estendido sobre os seus pés, as folhas caídas que alguém apanhava freneticamente, as pedrinhas dos caminhos serpenteantes, o lago que sempre a encantara, as estátuas (verdadeiras esculturas geradas noutros eras) imóveis. Vivas?
Chamando por si também estava uma outra voz conhecida. O banho, a água fumegante numa sala cuidadosamente preparada a escassos metros dali, aguardavam-na.
Não era sonho, nem pesadelo.
Era manhã nascente. Realidade.
Da noite anterior, apenas umas quantas memórias. Fragmentos de momentos que não sabem se têm direito ou dever de existir.
Memórias, fragmentos, momentos, acontecimentos afinal sem novidade. Sem novidade…
O banho esperava-a.
3 comentários:
Simplesmente para ler e reler e imaginarmos tais cenários e tais acontecimentos. Deixar a mente falar mais alto ao som das palavras que aqui deixas..
A continuação ideal de uma história começada noutro tempo.
***
Este texto, lido com a música certa e com a dose de imaginação torna-se realidade perante os meus olhos..
Sorry being off...
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Eu não consegui parar de ler. Envolvi-me nas palavras e deixei a imaginação rolar.
Delicioso.
A tua escrita é deliciosa.
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