21 de novembro de 2006

Fragmentos

Já há tanto tempo ali e o cérebro ainda prega partidas. Por vezes, esquece o presente e usa as ligações antigas, aquelas que nasceram num outro lugar e por mão de outra gente. Aqui, os carros circulam ao contrário. Cuidado.

Ao som de músicas de sempre e de tantas que nada perdia em ouvir pela primeira vez, esperava, sem [querer ter] pressa, uma oportunidade para atravessar a avenida. Era apenas uma estrangeira num lugar que vivia da diferença de cores, gostos, feitios, estilos, esperanças, trabalhos e desejos. Um alguém nascido noutro sítio qualquer, que percorria agora as ruas movimentadas e ruidosas lado a lado com novos e velhos; ali crescidos ou por ali perdidos e achados por algum motivo. Ou até sem ele. Apenas, porque sim.

Perto do semáforo, uma indicação. "Aeroporto" [na sua língua ainda não esquecida], não raras vezes, senão mesmo sempre, despertando uma recordação. A lembrança do dia enovoado e fresco da partida. Os cuidados no check-in para evitar aborrecimentos, as caras que não quis ver nesse dia por não saber o que lhes dizer [quer falasse, quer apenas as olhasse], a perda que não deixou de corroer cada pedacinho de si ao levantar voo. Uma recordação, uma lembrança.

Ah! Finalmente! Tinha perdido já duas oportunidades para chegar ao outro lado da rua.

Ia em direcção a casa. Umas horas na "baixa" tinham rendido uns quantos livros para entreter a cabeça imparável, escolhidos [será? ou teriam sido eles a chamar pelo seu nome na montra, na estante, na mão de um leitor entusiasmado?] ao sabor do aroma das milhentas páginas das livrarias. Era preciso agora lê-los, disfrutá-los, imaginá-los de todas as formas, sentir o que não dizem.

E era o que ia fazer, nas horas de fuga naquela casa grande [não importa se assombrada ou entendida como vazia de mais gente] que fascinara todos os seus sentidos ao chegar ao seu pé pela primeira vez, como continuava, ainda, todos os dias, ao acender a lareira do quarto, deitar-se de bruços no tapete felpudo e olhar o fogo crepitante.
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Simplesmente isto.

3 comentários:

jumpman disse...

Pedaços de vida de outros tempos.. Daqueles que se recordam sempre.

***

Anónimo disse...

daqueles que nunca se esquecem.

um beijo enorme.

Jo disse...

Porque esses espaços podem encerrar em si toda a magia de que precisamos para sermos simplesmente felizes.

***