Estava ali, a dois ou três passos de mim, naquele espaço tão grande, tão cheio de gente e repleto de escolhas.
Magra, com o peso dos anos sobre os ombros finos, vestindo cores escuras, desbotadas, gastas pelo sol e pela humidade dos dias frios desta cidade; com dedos esguios, trémulos, gretados pelo gelo da manhã, e cabelos já sem cor nem brilho. Talvez outros dias tenham visto o castanho que agora apenas imagino, mas neste em que a senti perto, somente o cinzento baço espreitava sob o lenço negro.
Numa mão, um pequeno porta moedas envelhecido e leve. Demasiado leve.
Na outra, nada. O vazio.
Ouvi então as tuas palavras, vi o teu olhar húmido de soslaio e percebi que repararas no mesmo que eu. "Não consigo ver aquela senhora ali, perto da charcutaria. Pega numa e noutra daquelas pequenas embalagens, não se conseguindo decidir. Como me custa pensar [e ter a certeza] que a dúvida nasce da impossibilidade de poder comprar qualquer delas. Com uma reforma de miséria, não conseguirá sequer preparar uma sopa quente à moda da aldeia."
Repararas naquele vulto invisível à maioria. Ali, de olhos perdidos.
4 comentários:
Um retrato demasiado verdadeiro. De uma realidade visível, mas que muitos preferem virar a cara e fingir que não está lá.
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tantos que se fazem de cegos para uma realidade que vive dia-a-dia à nossa volta... sadly...
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Nem todos tem capacidade de ver o mesmo... chama-se atenção... ou será sensibilidade...?
bjs
ao ler esse texto, pus aquele som que tens do lado direito...
posso dizer q terminei a leitura, um pouco arrepiada, e deixou-me a pensar...
beijo*
PIPINHA
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