31 de maio de 2007

Resposta

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Na verdade, em poucos instantes pensei sem reflectir, reflecti procurando não pensar muito [para não lhe retirar o imediatismo de resposta] e não sei se cheguei a alguma conclusão. Talvez haja "coisas" [estranhas, não nego] que, depois de matutadas, não se possam dizer concluídas ou concluindo seja o que for, porém apenas se possam apelidar de um qualquer juízo [quantas vezes embrenhado num raciocínio tão pessoal, quanto incompreensível]. Temo ter chegado [patindo não sei bem de onde...] a uma dessas deveras fabulosas pseudo-conclusões.
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"Se pudesses pedir qualquer coisa [como espécie de presente de aniversário], mesmo que irreal, estúpida ou impossível, o que seria?"
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Ser Eu outra vez [se alguma vez isso/ele foi real]. Ou [então] ser aquele Eu que, cegamente, pensava ser, e que acreditava ser mais do que tudo, espelhando a certeza, a vontade, a determinação, o orgulho, a ambição. Aquele que acordava, caminhava e adormecia crendo-se dotado de forças [nascidas de alguma dor e muita mãe incógnita], bastantes para vencer a mais sangrenta batalha. Aquele que acreditava em algumas palavras e que agora lhes sorri amargamente. Aquele que afogava lágrimas quais gatos vadios em baldes do lixo, nunca as revelando e, mais, raramente permitindo que lhe manchassem o rosto coberto de pó. Aquele que escrevia [com mais de mil e um reboliços na cabeça, muitas ideias e ideais] como agora este desfigurado faz quando pega na caneta e no papel, embora mais dorido [quiça mais crescido, contudo]. Aquele que ainda não tinha roubado a si próprio o alento de Ser o que quisesse. E que podia sê-lo.
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Porque o que agora se vê é tudo menos esse Eu. Por dentro, no que não se palpa, e por fora; o próprio corpo palpável perdeu cor, brilho, expressão, saúde.
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Na impossibilidade real [julgada inexistente pelos não Eu] de comprar, alugar, construir, roubar, gerar por feitiço o único presente que sempre pedi, fica o pedido de um outro. Jamais deixar de ver [e de ajudar a crescer] naqueles vultos que ainda se passeiam ao meu redor, um [seu] Eu como aquele que julguei um dia ter.
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Agora vou jantar. E depois trabalhar.
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29 de maio de 2007

Viagem

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E se nos eclipsassemos por um instante e, nessa janela de tempo suspensa entre átomos siderais, tocassemos um mundo de ilusões [afinal] reais? Seria um desafio às leis que criámos, um atentado à razão que queremos que exista; contudo, aproximar-se-ia da perfeição dos desejos sonhados.
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Utopia? Talvez a concretização efectiva de tal viagem o seja, mas jamais a imaginação de um dia assim... e, quiça, o aproximar desse mundo distante permitido por gestos, palavras, aromas que povoam este que aqui e agora me rodeia.
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27 de maio de 2007

A dedicatória do meu livro por escrever

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A todos os amigos que não tenho, porque tornaram possível que aprendesse a viver sem esperar mais do que quase nada, distinguindo a solidão do ser solitário.
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26 de maio de 2007

Side-by-side with speeding cars

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Depressa, bem depressa [os números no painel brilhante não mentiam], mas ciente do que ia a fazer. Afinal, tinha nas mãos [apenas] uma vida e no peito a vontade de me [envolver e] deixar levar pela música que dançava rente aos ouvidos, como que desenhando um casulo invisível sob o metal reluzente.
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As curvas matreiras recortadas na paisagem quase se confundiam à distância, abrindo-se em longas rectas negras, vazias de outros condutores errantes [e domingueiros de trazer por casa...], inundadas pelo Sol tímido, nascido há não mais do que instantes [despontando por entre o nevoeiro teimoso] e fazendo-me respirar fundo [ar e, porque não, o som que se insinuava ao meu redor, saído das colunas vibrantes cuidadosamente dispostas para que me não esquecesse de cada acorde]; fixar o olhar no horizonte e distanciar-me do lugar onde acordo, da gente que me não faz sorrir, disfrutando da abstracção que muitos dizem poder antes encontrar numa revista cor-de-rosa [?!... Maria-rapaz? Sem dúvida!], porém que prefiro encontrar numa viagem [daquelas que levam longe sem se ir muito além de um punhado de quilómetros] comigo mesma, partindo para um destino imaginado horas antes, testando os reflexos e a destreza, transfigurando ideias nesse tempo de atenção redobrada, colorindo as dúvidas e as vontades com o ruído abafado da borracha quente levitando sobre o asfalto, sabendo que cortava o ar mais depressa do que o pensamento de gente que nem sabe que é humana [quanto mais que pode pensar...], conduzindo a máquina e deixando-me abraçar pela sua frieza reconfortante..
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Como que vivendo em suspenso enquanto a música tocava e o carro fugia à velocidade de um piscar-de-olhos. Porque é também esse o tempo que destino a quem me revolve as entranhas.
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23 de maio de 2007

À luz dos morcegos


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Devagarinho chegou a chuva, caindo tímida a princípio e depois mais e mais forte, batendo imponente nas paredes da casa que abrigava este corpo. Mesmo sem olhar lá para fora, sabia a cor do céu que me seguira horas antes [enquanto caminhava com destino e sem objectivo], carregado de gotas espessas, suspensas no alto do que a vista alcança pelo quente e abafado ar da Primavera confusa. Sabia, porque dificilmente outra tonalidade teria coragem para se impor ao chegar a hora da Lua, aquela em que, com um tão escuro pano sideral, gosto de sair por uns momentos. E então seguir o miar esganiçado dos gatos sem casa, caminhantes silenciosos nas ruas enlameadas, atulhadas de pétalas caídas, maceradas pelos passos inominados, irreconhecíveis pela água vertida lá de cima, turva, longe de cristalina. Habituar o olho claro [protegido pelo pára-brisas humedecido] ao nevoeiro incipiente, para então reconhecer as formas inumanas encostadas a muros baixos e postes frios de cimento, aguardando o [pouco] que lhes reserve a escuridão da madrugada vindoura, desejosas de ocultar o desespero e o vazio que lhes cresce no peito [e transparece nos olhos inchados pelo tempo impiedoso, pelas lágrimas dessalinizadas, pelos sentimentos confundidos]. Ouvir, ao longe, um uivo lancinante de dor; o pedido de ajuda de um animal ferido depois de esquecido pela indiferença de um Homem [cujo H lhe negava se pudesse], entregue à sorte das ruas movimentadas, da fome atroz, dos becos sem luz nem recantos abrigados da dureza do orvalho ameaçador. Pressentir perto, muito perto, o mundo real.
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16 de maio de 2007

Hoje como ontem...

... acabei de chegar.

Por entre aquele cansaço, notório mas ainda bem suportável, e aquele outro peso no olhar que me percorre [e me une a uns quantos alguéns, apelidados tantas vezes de desgraçados], por entre uma confusão e uma divisão imensas que me estilhaçam em mil vidrinhos, surgiram algumas sílabas.
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Surgiram frases e ideias que se [auto]compilaram em textos sem sequer existirem no papel, ganhando vida naquilo que mais não é do que a escrita mental. A criação de incontáveis histórias, personagens sem rosto, sentimentos não emocionados, pensamentos incoerentes na sua certeza inabalável, desabafos gritantes, mundos distantes que tocam este em que agora estou sentada com um estender de mão imperceptível.
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Surgiram frases únicas no Tempo e no Espaço, fervilhantes num desejo imenso de serem órgãos de um corpo que nasce no papel.
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Tantas ainda lançando olhares furtivos por cima do muro. E tantas esquecidas com o passar das horas, com a sucessão de instantes, sem que nelas repare. Ou sem que lhes diga que sim, que as vi, que sei o que dizem e como gostariam de [re]nascer transfiguradas para serem lidas. Mas também sussurrando-lhes que não. Ainda não. Agora não. Não há tempo para ceder ao seu ímpeto galopante, àquele seu inigualável desejo de... serem escritas.
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Jul/06

13 de maio de 2007

Insanidade

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Sinto ainda na ponta dos dedos, cravado na minha, o toque da tua pele e o arrepio [irrepreensível] que lia [por instinto] em cada dos teus poros [tatuados com perfumes nossos porém já sem dono], ao mais leve contacto de um e outro dedo, numa procura de ti e descoberta de ambos, como que traduzindo na linguagem dos sentidos, palavras desnecessárias [em reboliço num pensamento desconcertado]. Sinto ainda o calor do teu respirar no meu ouvido, contando-me histórias em silêncio, aproximando-me, levando-me para mais e mais perto de ti, até se fundirem sopros de vida num momento de partilha dessas lendas sussurrantes. Sinto ainda o contorcer do teu corpo ao responder ao desafio… e ao inesperado.
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Saboreio ainda o beijo nos teus olhos cerrados, calmos, viajantes de um espaço sem morada nem tempo… e o fraquejar dos teus joelhos num instante de fuga da realidade, ao rodear-te num abraço que adivinhei implorares para serenar. E não erro muito se admitir que imortalizei o prazer sereno de aproximar estes lábios de ti, marcando-te com um pouco de mim, como que inventando e cunhando [com lacre vermelho vivo] um pedacinho de um Eu que encontraste, sem querer e que foi ficando.
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Sinto-te como se agora mesmo brincasse, qual petiz empreendedor, com o teu olhar e percorresse, sem pressas, sem medos, a profundeza de ti subida à superfície, flutuando sobre a pele húmida [numa harmonia perfeita com a chuva da madrugada batendo forte na vidraça, depressa transformada orvalho da manhã e ribeiro do meio-dia].
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Pressinto ainda, no meu rosto, o bater de um coração tão cheio de tudo, mas, contudo, compassado e sem pressa de ir mais longe do que o momento em que o descobri e se desenhou na palma da minha mão. Guardo na memória, ainda e talvez para sempre, não apenas o mapa mas a real dimensão, dos contornos de ti que pude rodear de mim.
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E não esqueço o adormecer iminente que te envolveu quando, pousando ao de leve a minha mão sobre uma face atormentada, chamei pelo guardião dos sonhos para que te ungisse com a tranquilidade que quis que experimentasses, vinda de um ponto distante no universo [porque neste mundo era demasiado doloroso procurá-la].
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Vejo ainda claramente, na escuridão da noite fria, a chama incendiada no teu rosto repousante, fitando-me em desafio [até que perca a noção do real?...] e cumplicidade, sempre.
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Vejo, sinto, saboreio e jamais esquecerei [apesar do muito que já não sou nem recuperarei], o adormecer do teu corpo contra o meu peito, o calor do teu abraço e a genuinidade [e genialidade, porque não?] do teu olhar sem fim.
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Li uma vez um livro curioso, repleto de frases simples que paravam o meu raciocínio por breves instantes, para depois o acelerarem à exaustão. Vi nele palavras que pareciam nascidas de mim se tivesse outra idade, outra vida, outra história [bem mais interessante] para contar. Hoje reli-as, por acaso, e adoptei-as, porque o futuro não sei se existe nem onde está se for real, mas há um presente que, se se tornar passado, não poderá ser negado, porquanto já vivido.
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“- Memorizei o teu corpo.
Quantas vezes acontece isto numa vida?"
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May 13th

Sabes que dia é hoje?
Para muitos, apenas mais um Domingo de uma Primavera oscilante entre pingos de chuva e raios de Sol impiedosos, que vivem indiferentes ou alentados pela crítica fácil do que não percebem, nem procuram conhecer.
Para outros tantos, o dia do silêncio mágico e da conversa reconfortante com um mundo à parte, fruto da crença, da devoção [mas não do fanatismo ou das rezas interesseiras nascidas de um coração que não pensa, porquanto tal ronda a vulgaridade e denigra o verdadeiro sentido de acreditar em algo mais].

Para mim, um Domingo de Primavera que começou chuvoso e agora se abre à luz que caminha vinda do mar. Porém, também um dia em que, à distância, recordo os inúmeros rostos alegres e faces desfiguradas pelo desespero, que vi, ao longo de anos, sob um Sol abrasador ou lutando contra um frio cortante, agradecendo dádivas de vida ou entregando um pouco de si num pedido de ajuda sincero e sentido. Revejo gente de todas a cores e línguas partilhando um sentimento. E reitero, talvez apenas a mim própria, aqui, numa cidade diferente e com o mar por companhia, que jamais importunarei o meu Eu para que tente explicar que não se trata de uma beatice que me impingiram e que, qual conformada e não pensante, tomei por verdade e assim mantive.
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Nada peço agora para mim, salvo talvez uma pequena lembrança de que respiro, muito embora reconheça não ser merecedora dessa insignificância.

Prefiro levantar mais alto os nomes dos que me são próximos.
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11 de maio de 2007

Entre o sol e a chuva

E em todos estes dias nada escrevi, muito pouco li e, se pensei, foi por instinto [essa qualquer coisa que nos impele a fazer e a ser mesmo quando a racionalidade está posta de parte nas decisões], foi por não saber, talvez, simplesmente deixar o tempo passar com o cérebro em pausa, relaxado, despreocupado.
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E ao cabo de todos estes dias caí em mim [não sei se um bocadinho de cada vez, se num instante de imensa sapiência]. Confrontei-me comigo e com a realidade. Conclusão? Cheguei a uma, por acaso: embora ciente do presente e das possibilidades de futuro, vi claramente que a minha inteligência se recusava, ainda, a admitir um novo eu, como que cobrindo o pensamento com um véu irreal de portas guardando caminhos dourados. Solução? Olhar para o espelho vazio, frio, sem cor, e dizer convictamente à imagem reflectida que esqueça o se e se conforme com o que é; que basta do que ouvi chamarem às escondidas de "auto-pena" sem sentido; que apesar de muito mais desiludida comigo [talvez a pior das perdas que se pode ter que ultrapassar] e dorida [mais do que em dia algum imaginei ser possível], parece que ainda respiro; e que há quem não mereça inquietar-se, baixinho, quantas vezes sem perceber onde estou, apesar de fisicamente ali ao pé, lendo, falando ou silenciando-me.
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E em todos estes dias, no fundo, percebi o quanto estou longe de quem me é chegado. Talvez por pensar e sentir de forma tão diferente.
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Será que posso fugir de mim?, perguntaram-me uma vez.
Não creio. E, talvez por isso, estes dias tenham assistido a conversas comigo; pela obrigatoriedade de viver com este Eu e pela vontade de ver sempre sorrindo quem se move ao meu redor [desejo mais forte do que qualquer tristeza].
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O que tenho mais para dizer? Nada de especial. Apenas que, para já, somente por essa vontade, silenciar-se-ão lágrimas ruidosas, mesmo que aquelas há tanto escondidas dos olhares.
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É altura de regressar à escrita, à leitura, ao sono descansado.
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Fim de desabafo.

6 de maio de 2007

Nota

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Uma vida inquestionável, não é uma vida que se inveje.

[Paul David Hewson]

4 de maio de 2007

Recuperado do caderno...

... ao ler o olhar que lançavas à rua ventosa.
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Olha as pedras gastas que pisas desajeitadamente a caminho de lado nenhum. São assim tão diferentes à sombra da Lua escondida? Parecem-te assim tão mais distantes na penumbra? Segredam-te palavras nalguma língua que não conheças, deixando-te alerta?
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E o frio dos passos só teus, que ecoam na rua deserta de outros? Sentes? O que te dizem, também eles? Talvez nada.
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Páras? Por que te deténs? Por que te encostas àquela porta fechada e deslizas até à soleira empoeirada?
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Pensas...
É isso.
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As pedras sempre se fizeram ouvir, mesmo que num dialecto sem gramática. E os passos! Bradaram mais do que podes suportar.
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Por isso te sentas.
Esqueces o destino que não tinhas. Imaginas. Sonhas. Divagas. Se há luz lá à frente, sim, se há mais do que a cor ocre dos prédios velhos, há certamente um lugar mais quente do que este deserto de ruas vazias.
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Um lugar mais quente.

1 de maio de 2007

Relendo

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"Agarrada a Amir, fico apavorada quando digo abruptamente:
- Memorizei o teu corpo.
E fico surpreendida quando ele diz:
- Posso dizer o mesmo.
Fico tão surpreendida, que não choro como receio. Por apenas um momento, não consigo acreditar na minha sorte. Quantas vezes acontece isto numa vida?"
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[Ann Marlowe, O Livro da Inquietude]