2 de junho de 2007

Sem caixa de correio

A gente toca a loucura sem saber, todos os dias, sem excepção, porque, afinal, a gente vive ao seu lado; sem saber, sem sequer imaginar que numa casa sem número nem porta nem janelas nem telhado ou jardim, comprimida entre prédios altos que subimos à velocidade das máquinas, habita a insanidade que se passeia connosco, voa quando partimos do lugar de sempre, navega ao sabor das mesmas ondas que nos levam ao ponto de chegada [aquele que só conhecemos ao atracar e sentir na pele a aspereza das suas rochas, contrastando com a maciez da areia fina, ao cheirar os seus jardins exóticos e ver a pele ganhando nova cor sob um Sol diferente do que nos acorda noutras paragens].
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A gente toca a loucura sem saber, virando-lhe as costas e seguindo o mesmo caminho de sempre, em direcção ao destino traçado no instante em que se caminha.
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Mas a gente pode entrar na casa da loucura, sacudir as cortinas pesadas das suas janelas altas e invisíveis, ficando com os olhos vermelhos pelo pó acumulado e com a pele irritada pelo bafo ébrio das traças gordas. A gente pode subir ao seu telhado escorregadio, manchado pelo lodo que cobre as telhas quebradas e daí ver um jardim invadido por ervas daninhas, espinhosas, sem cor nem forma definidas. Pode, mas é raro. E ainda bem. Não é visão agradável. Não é espectáculo para relatar num romance, numa tertúlia, numa conversa despreocupada ao chegar àquela margem e encontrar, quando se sente a pele ganhando nova cor sob um Sol diferente do que nos acorda noutras paragens e se vê, na areia fina apenas a alguns passos de jardins exóticos, um rosto conhecido.
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Eu entrei, respirei o ar bafiento de salas sem calor, subi escadas duvidosas, sentei-me no beiral e piquei-me nos arbustos imponentes que tomavam o lugar de canteiros bem desenhados, erguendo-se alto vindos do chão, sentindo apenas o peso da pequena gota de sangue escuro que depois nasceu. Não procurei o número da porta desgastada. Sem sono, perdendo já a conta às horas mal dormidas ou apenas passadas sem descanso, ergui-me de uma cama sem sentido, olhei para o espelho e entrei.
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8 comentários:

o alquimista disse...

Apenas um simples comentário, este mundo não te conhece...és imensa para ele...

Doce beijo

jumpman disse...

Concerteza que será uma casa habitada por mais vultos, almas, ou seja lá o que se quiser chamar às pessoas que nela frequentam e lá permanecem.

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MeninaLua disse...

Sem comentarios...



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Anónimo disse...

Direi o contrário do Alquimista.
Se este Mundo não te conhece é simplesmente porque é habitado por loucos, que na sua insanidade cega não procuram aprender, ouvir e seguir quem dele faz a sua cama, sem reclamar mas com tempo para o analisar.
São esses, pessoas como tu que fazem a diferença, que apagam a linha entre loucura e sanidade, essa que na verdade não existe.
O que é a loucura? Uma diferença, uma doença ou simplesmente uma forma de viver.
Continuo na procura dessa resposta, não irei parar e se loucura é pensar e falar então eu SOU LOUCA.

Kolmi Maria

Alma Nova ® disse...

A loucura, tão facilmente catalogada, anda connosco de braço dado, todos os dias e em todos os lugares. Mal de nós quando ela nos abandonar porque sem ela não conseguiremos viver neste mundo. Jokitas.

Idiota disse...

Não sei o que define a loucura e a sanidade... não conheço essas paredes altas nem esse jardim...não sei até que ponto pode haver ou não atalhos químicos que nos permitam passagens com bilhete sem regresso definido. Por isso ao olhar para o espelho, e decidas esgravatares portais para o desconhecido, que o mundo te sorria numa mansidão de tertúlias agradáveis... e que nos segredes o que Alice nos esqueceu de contar ;) [e que talvez fosse tão importante!!!]

Angell disse...

O que é ser insano? Talvez não aqueles que dizem ser loucos! Talvez alguns que aparentemente camuflados dessa doença, tudo fazem, sem medirem meios; para fomentarem os seus objectivos; mesmo que isso signifique prejudicar seriamente os outros...

Bjs!

Maria disse...

Aparentemente sãos...de médico e de louco...;pp ainda bem :)