1 de janeiro de 2008

Para quem pode, não para quem quer.

Não sabem. Não sabem mesmo.
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Talvez te lembres do filme de que te falei um dia, aquele que poderia sair da nossa cabeça, dos nossos instantes, ser filmado em fita auto-destrutível, esfumar-se diante dos olhos cerrados de todos eles. No fundo, porque não sabem. Não conhecem por dentro, nem por fora porquanto caminham com vendas, a realidade que acredito sonharem secretamente, porém vendo-a sem pre sem contornos definidos. Afinal, os sonhos são assim quando, na noite, surgem sem ter havido realidade que os tocasse.
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Não sabem o que é adormecer imerso num perfume que passou de um tu para este eu que se perde na tua presença. Adormecer sentindo ainda o calor da tua pele, essa que se encostou a mim e roubou parte do perfume que nunca quis distribuir ao acaso; essa pele que se arrepia quando respiro ao teu lado. Adormecer ao sabor dos ecos do que me contas baixinho, ao ouvido, mesmo sem palavras. Porque às vezes os outros sentidos também falam. E eu sei escutar o que me dizem em surdina, tão perto de mim que a luz recua. Deixa-nos no escuro. Apenas ilumina a estrada lá fora, deixando que me conheças sem ver. Um pouco como aprendi a reconhecer o contorno de ti na multidão.
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Não sabem o que é encostar-se ao peito de um tu e desenhar na pele humedecida, o lugar do coração que bate protegido, sossegado. Deitar a cabeça e adormecer embalado pelo compasso da tua respiração, esquecendo que há um mundo lá fora.
Não sabem e julgam invejosamente a tal falta de juízo de gente que devia ser de bem. Mas sabes o que digo? Claro que sabes. A gente é de bem e muito ajuizada. Só que a gente sente, ousa e toca, embarca no abraço que muitos evitam, dissimulam.
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A gente partilha mais do que o corpo e a outra gente, que acorda com um vazio na alma, nunca viverá os instantes em que a respiração estremece e a cor dos olhos se confunde.
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Não sabem. Não sabem mesmo. Todos eles. Fechados num casulo de betão que lhes barra o pensamento e afunda a rebaixa a existência, temendo o que vivemos na rua, à beira mar, no mais alto dos edifícios. Onde ninguém nos vê.
Não sabem de onde vem o estender de mão que nos junta num lugar para um, procurando cada contorno de nós esse pedacinho do outro que torna a viagem mais segura.
Não sabem como se constrói uma história proibida, cujos detalhes apenas nós conhecemos e nos dizem sermos mais do que ajuizados e portanto actores principais e únicos espectadores de um filme banido pelo pudor dos críticos literários que jamais avistaram o livro invisível que escrevemos a cada dia. A cada momento de perdição, choro, riso, desfalecimento.
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Não sabem, pois não?
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11 comentários:

Anónimo disse...

Só quem partilha, quem ama, quem sente, sabe o bom que é viver.
Navegar pelos sonhos, descobrir recantos e saborear encantos.
Eles não sabem que para viver é preciso não temer, sim vencer.

Afonso Faria disse...

Não sabem não!
Sabes, também estou convencido que poucos sabem, poucos ousam!
Desejo-te saúde, improviso, engenho, sonho para todo este ano que começou!

jumpman disse...

Não sabem o que é partilhar um toque, o sorriso, o silêncio, a cumplicidade e o abraço quente num dia gelado.

Não sabem o que é adormecer com uma presença única e inconfundível e um aroma que há muito deixou de ser de quem o originalmente albergava e se fundiu com o que habita em cada poro.

Não sabem..

Raquel Branco (Putty Cat) disse...

Poucos sabem.
Poucos têm esse verdadeiro Privilégio.

Silêncio © disse...

Eu às vezes também queria saber...
Beijos minha linda, e um ano novo cheio de felicidade :)

Jo disse...

Viver um filme assim é um privilégio, uma benção. Algo que é teu e só teu, que não pode ser dividido.Uma película que só tu conhecemos e só tu podes viver.

Há sempre algo de surpreendente e incrívelmente verdadeiro no que escreves.

***

ContorNUS disse...

Lindíssimo pensamento tecido nas palavras ;)

O Profeta disse...

Olá Maria José, será que partilha-mos mesmo em cada entrega?


Doce beijo

Alma Nova ® disse...

Não sabem, não! O conhecimento é-lhes toldado pelo temor da dor, pela amargura da posse, pela frieza dos dias vazios, pela falsa aparência de "juízo"! Não sabem, não! O que é Partilhar, entregar, dar...simplesmente! E ficar embrulhado, bem aconchegado, num simples aroma.

Brain disse...

Tu...

Estás a tornar-te,
Numa das "minhas" escritoras preferidas!

E mais não digo!

Um BEIJO meu!

Oliver Pickwick disse...

Pelo visto andei transgredindo outra vez o adágio da minha avó.
Eu não havia lido este post, pois nesse período - entre o natal e a passagem do ano, estive viajando, e praticamente não acessava a internet. Como você só deixa na capa a postagem atual, esse passou.
Acredito, porém, que dessa vez não fui bem interpretado, se você ler todos os meus comentários acerca das suas publicações vai perceber que sempre acentuei a linguagem como sendo delicada, serena, doce e de uma sutileza ímpar. Certamente um reflexo do seu jeito de ser. O negócio do "diga 33", é óbvio, foi uma brincadeira. E continuo sustentando que textos ou poemas românticos não constituem o assunto predominante da maioria dos seus posts. Contudo, quando escreve, a faz com a linguagem primorosa de sempre, como neste - o qual ainda gostei mais que o atual.
Portanto, garota, jamais escrevi ou imaginei que não é romântica, delicada, apenas que não escreve muito acerca desse tema.
Seu blog é um dos meus favoritos, e como já disse, adoro a sua maneira de escrever reminiscências, de descrever paisagens e ambientes. Mais, se estivesse numa ilha deserta e só pudesse ter acesso a três blogs, o seu seria um deles.
Se de algum modo sentiu-se sensibilizada com aquele comentário, peço-lhe desculpas, o meu temperamento bem humorado costuma me pregar peças; mas, reafirmo, não escrevi com nenhuma intenção inconfessável.
As pessoas têm lá as suas diferenças - aliás como você mesmo um dia escreveu, que essa diversidade provavelmente as completam.
Nós, também temos as nossas, como por exemplo, sobre os livros de auto-ajuda. Mas não me importo, pois de toda a blogosfera, você é uma das garotas que eu gosto mais.

Beijos!