Tenho uma vista estonteante à minha frente. O fim de tarde cai no horizonte, uma série desalinhada de nuvens esfarrapadas recolora-se com os últimos fios de luz que o Sol empresta. Desta parede de vidro que escolhi por isto mesmo, que me separa do frio lá fora porém me aproxima do infinito, quase tirando o fôlego por quase me iludir sobre um chão que parece não existir sob os meus pés neste local, as luzes chegam até mim, as casas adivinham-se na enconsta e o mar, por entre o mover lento e pausado da chuva que prepara o se cair, insinua-se no meu olhar, pequenino, ou pelo menos não querendo roubar o protagonismo do fim de dia às cores, cheiros, sons e pensamentos que acontecem vindos do nada e de todo o lado.
Sentei-me em casa com esta vista, esta companhia e este sentimento de voltar a pegar nas palavras e deixá-las fluir, porque não faz sentido fechar as ideias e as emoções para mim.
Caminho todos os dias sozinha no meio da multidão, para poder sobreviver com o sofrimento e, ainda e sempre, sentir o sorriso nas pequenas conquistas daqueles que ajudo a tratar.
Acompanhada há outras coisas para sentir. Esta profissão, trabalho, sei lá, missão ou qualquer coisa de nome incerto que por vezes me irrita, algumas me faz questionar o porquê de aqui continuar, e outras ainda me delicia, vive-se para e por dentro por quem olha a morte de frente ainda o Sol vai baixo, ou quem vê um sorriso nascido daquele pequeno dirigir do olhar que parecia tão longe a uma família em desespero. No entanto, o resto da vida, que sopra também e com um vigor que não pode cair em desuso, vive-se na partilha de ser e do ser. De fazer, de sentir, de contar, de rir e chorar por motivo nenhum, quantas vezes ao nascer da manhã.
É neste equilíbiro tão difícil e desafiante que vivo diariamente, sei lá mais como quem. Às tantas como ninguém mais, sendo nós todos um todo tão diferente na nossa humanidade. E a mim, dá-me para a escrita. Desde que me conheço. Talvez para sempre.