31 de outubro de 2006

11 pm

Tão farta. Simplesmente saturada.
Não sei de quê, de quem. Se de um alguém em particular, se de toda a gente, se desta noite enfeitiçada que devia estar a viver bem longe daqui [mas não, passada como sempre, rodeada pela mesma estupidez de todos os dias, teimosamente cravada nestas coordenadas]. Farta das mesmas palavras, daqueles conselhos dispensáveis ou comentários sem sentido. Tão farta que os olhos não toleram sequer varrer uma prateleira, procurar um livro, sentir o seu toque pela primeira vez numa livraria. Simplesmente saturada não sei de quê.


Não ouço uivar lá fora. Não há lobisomens. Será ainda cedo? Ou então só mesmo com lua cheia... Ainda pensei que o bruxedo os chamasse. E, porque não, às criaturas que, do imaginário, hoje bem podiam sair do esconderijo onde se abrigam de quem as teme e treme só de as pensar vivas [ou perto disso]. Não ouço nada. Que desilusão. Nada de velhas bruxas encarquilhadas, vampiros sanguinários, mortos-vivos inexpressivos e híbridos semelhantes de nome impronunciável. Nada de gritos desesperados, lágrimas de dor ou risos maléficos. Nada.


O cheiro do medo, o vibrar do vento frio, o amargo da chuva. Todos estão longe. Mas porquê? Preferem não aparecer?



Tão farta. Simplesmente saturada.
Não sei de quê, de quem. Se de um alguém em particular, se de toda a gente, se desta noite enfeitiçada sem magia alguma [sobretudo aquela negra, dita oculta e secreta. Mas que seduz...]. Farta da confusão, da lágrima cristalizada, das mesmas músicas, das mesmas letras, das frases sem sentido, das respostas inacabadas, das questões impertinentes, da impotência de ser, da cobardia de dizer, do desejo de acabar sem ter começado. Arrebatada pelos acordes da madrugada que ainda não chegou [mas cujos contornos poderia descrever ao mais ínfimo pormenor; cor, tamanho, textura, odor] e pelo dia de amanhã [invenção de alguém ansioso por terminar o agora? ou de o perpetuar] que existe apenas no calendário de parede.


E então? Pegar no carro, sair sem pensar.
Erro. Nem mesmo assim se acalma um nervosismo que o não é, mas podia ser. Nem mesmo assim se vê com clareza o que não tem cortina que o impeça. Nem mesmo assim se percebe simplesmente porquê.

Desligar[-se ou –me] então? Nem isso. Não há fio para arrancar da tomada, nem bateria para lançar à água.

Ficar apenas contigo no sofá. Sem articular o que quer que seja que se assemelhe a palavras. Sem olhar com objectivo. Fixar as íris apenas onde acontecer que se retenham. Ficar apenas ali. Desejando não sei o quê. Procurando não tenho ideia alguma do que possa [querer] ser encontrado. Ficar ali. Só isso.

Já chega. É melhor ir dormir. As palavras pesam demais. Escritas, pensadas. Não ajudam. Não dificultam. Não fazem nada. Nada. Apenas e só, nada.





1 comentário:

jumpman disse...

Uma saturação e uma angústia latente. Que não desaparece, mesmo recorrendo a acções já conhecidas, mas que não surtem efeito.

Não havendo uma solução óbvia para tal sensação, talvez parte da resposta resida no sofá e nessa companhia. De modo a trazer alguma serenidade a essa mente saturada.

E quem sabe se durante a noite as criaturas do oculto e do terror saiam dos seus esconderijos. Sim, porque uma noite bem passada não tem que ser na presença de anjos e corpos celestes cheios de luz. Ou até estejam presentes nas primeiras horas da manhã, regressando de uma noite de bruxedos, horrores e tudo o resto que tão bem sabem fazer.

E o meu desejo no momento que escrevo estas palavras? Somente que o acordar seja diferente do adormecer e que essa angústia tenha desaparecido.


***