1 de outubro de 2006

Ao fim da tarde

Esqueci tudo sobre a mesa. A caneta, o papel, o livro. Passei a mão sobre o pequeno candeeiro e, num passe de mágica, desapareceu a única luz brilhando na negrura daquele recanto. Procurei as costas da cadeira e permiti-me deslizar, de olhos fechados e músculos tensos. Ouvi o silêncio por uns instantes. Tanto tempo ou tão poucos segundos. Não sei.

Lembro-me de sentir a chuva lá fora, o vento vibrando nas árvores em redor, as nuvens em correria desenfreada lá em cima, no escuro.
Lembro-me de carregar este corpo pelo corredor pautado por sombras, jogos de luz ao fim da tarde. Quando as luzes subtis se acendem e aquecem.

Olhei a grande sala de banho. Mármore fria e inanimada olhava-me de frente e deixava-se ser polida pelos meus passos. A grande banheira brilhava sob o luar ousado que entrava pela janela maior; a mais pequena fora mais difícil de convencer. Não qeuria deixar entrar o sol reflectido pela Lua.

Onde estavam?
É verdade, tinha-as acomodado atrás da portinha mais peculiar.

Peguei nelas. De todos os tamanhos, feitios e cores, as velas inundaram-me logo de mil aromas conhecidos. Mas então por que sempre tão novos?

Dispersei-as aqui e além.
Acendi uma a uma.

As sombras nasceram, a luz encarnou formas estranhas, as reentrâncias ganharam protagonismo.

E aqueles sais? Quem terá entrado naquele meu espaço e roubado tais preciosidades?
Precipitei-me... ali estavam eles. Colorindo frasquinhos de contornos esbatidos sob a luz ténue que percorria o espaço.


Deixei então correr a água. Um fumo quente começou a crescer. Elevou-se, tocou as paredes e desapareceu. Puf! Sem deixar rasto.

Mil reflexos despertaram-me os sentidos. Mil imagens poderia ver na água agitada, colorida pela luz e pelo calor. Fugidas, porém; rapidamente evanescendo ao surgir de uma nuvem branca perfumada, laboriosamente cobrindo a superfície.

Parei por momentos. Olhei. Ouvi de novo a chuva, o vento.

Era tempo de mergulhar o pensamento, os músculos tensos.
Sobre uma cadeira de outros tempos, daquelas relíquias que se admiram mas que gosto de ter por perto e longe da vitrine, ficaram as roupas em desalinho.



Sentir cada poro ser tocado pelo calor da água e pela subtileza do perfume.
Parar de respirar e desaparecer sob o manto albo macio. Não sei porquê, nem durante quanto tempo.
Voltar então à superfície e sentir o ar quente.

Filme? Realidade.



Recostei-me.
Acima da água calma, apenas a minha cabeça. Com ela os sentimentos, pensamentos e emoções? Sim, talvez.
Acima da espuma, apenas o [meu] olhar. Uns olhos indistintos na penumbra que perscrutavam as sombras, as chamas tremelicantes, o tecido fino das cortinas tecidas por mãos delicadas, a luz da noite que entretanto caíra e entrava agora suavemente pelas janelas.


Ao longe chegava-me um som. De mansinho, sem incomodar, fundindo-se com a luz e o perfume.
Alguém brincava com acordes de outros tempos. Imaginando um sem número de coisas. Pensando pensamentos que não posso adivinhar.

E quase adormeci.
Assim
.


Chris Isaak, Wicked Game

3 comentários:

jumpman disse...

Não me atrevo a escolher uma ou mais passagens do texto, para demonstrar as partes que mais me chamaram a atenção.
Não me atrevo, porque todo o texto funciona como um todo e dividi-lo seria impossível.

Dei por mim a imaginar na minha mente tudo o que as palavras que aqui deixaste hoje, significavam.
E acabei por sentir um pouco, se bem que lá longe, esse teu momento "zen" que resolveste partilhar. Porque tal como cada pessoa é diferente, também é verdade que todos nós por vezes precisamos de um momento para nós, simplesmente para relaxar e "desligar" um pouco da nossa realidade mais imediata.

E essa música que entrou de mansinho.. Há muito que já não a ouvia. Capaz de trazer sentimentos e pensamentos à nossa mente.

***

Anónimo disse...

Esse ambiente é perfeito para relaxar e desligar-se do mundo.
Só nos e os nossos pensamentos...

Em relação ao texto, não fui o unico a achar que o texto era escrito por uma pita (e não p*ta) mimada, mas visto que reconheceste que foi isso que achei, então não o deves ser..O problemas do texto escrito é que confunde muito a forma de se querer dizer as coisas.

:P

Anónimo disse...

sonho. nada mais.
***