27 de novembro de 2006

Depois



Depois da morte do artista, ficam por cá os textos, as pinturas, a argamassa moldada que um dia imaginou, sentiu e permitiu que conhecêssemos. Depois da morte do artista, as frases ganham novo sentido, os borrões de tinta são claras declarações de pensamento e o ferro retorcido uma dança harmoniosa suspensa no ar.

Pois, depois da morte do artista, quando não mais poderá seduzir ou espantar com os seus arrogantes, incómodos, tristes e por vezes banais, sonhos transpostos para a realidade.

E, às vezes, imagino como seria se alguém lesse no futuro [porque de borrões nada percebo (presente triste, este) e de trolha pouco ou nada tenho (agora)] o que escrevi num qualquer dia então longínquo e totalmente desconhecido para a singular personagem que tivesse tal ousadia. Como deveria ecoar ruidosamente na sua cabeça! Como deveria soar-lhe estranho toda a palavra e texto em que deixasse os olhos pousar. Certamente faria caretas hilariantes [não nego que gostaria de as apreciar, lá onde quer que estivesse]. E, certamente também, veria de outro modo o que eu agora vejo [acontecimento recorrente mesmo agora, já que falo nisso] e pensaria para consigo onde nasceria tamanha turbulência e peso [mental]. Afinal, como poderia não haver relatos de passarinhos chilreando, arco-íris numa manhã de piquenique, fins de tarde quentes à beira mar? Meu caro, só me ocorre dizer se poderei dar uma resposta satisfatória enquanto ainda estou no presente que duvido vir a ser futuro lido? … Bem, por que não? Sim, é verdade, por que não deixar os pontos nos is desde já e poupar trabalho a quem um dia, ocasional e tristemente, perdesse tempo com estas palavras?

Simples: Quem rabisca folhas, pintalga a bata de todas as cores ou fere as mãos no metal, não quer justificar o que faz ou escrever prefácios às suas divagações instantâneas. Quer apenas qualquer coisa sem querer ser diferente ou especial ou notável ou importante ou recordado. Quer somente um momento seu.

2 comentários:

jumpman disse...

"Quer somente um momento seu."

Tão simples quanto isso. Sem prestar atenção ao que futuras leituras, noutro tempo distante, poderão pensar sobre tais palavras. Simplesmente algo que sabe ser dele e de mais ninguém.


E como é curioso que depois de mortos, maior parte dos artistas ganham ainda mais notoriedade, passando em algumas ocasiões, de bestas a bestiais..

***

Anónimo disse...

mais que um momento seu... um sonho, uma utopia, um gesto que tornará esse momento eterno.

um beijo