18 de março de 2007

Fugida

Às vezes preciso daquele silêncio.
Da companhia de nada e de ninguém que só ali encontro, porém sentindo indubitavelmente a presença de quantos se cruzaram um dia comigo.

Naquele recanto recatado da grande tenda de betão armado, inspirada pelas moradas itinerantes dos tempos da fuga do Egipto, num dos bancos corridos de madeira clara e polida, sento-me e olho os reflexos do Sol nos vidros coloridos perto do tecto alto. “- Quantas pinturas abstractas pintam nas paredes virgens!”, imagino eu, perdida já em pensamentos sem nome, mesmo que tão meus quanto difíceis de explicar.


Ao meu lado, ninguém mais nos bancos vazios.
Diante de mim, parte da história da minha família – o imponente Sacrário dourado, um dia oferecido pelos que viveram antes de mim num sinal de respeito, devoção, inteligência e responsabilidade. Parte de uma história que se imortalizou um pouco por vários cantos, agora observando-me atentamente ao fazer pouco mais do que nada; apenas, talvez, pensando. E, porque não, sentindo.
Ao meu redor, vozes distantes, longínquas, sussurrantes, de quem afina o majestoso órgão e prepara o concerto de Páscoa.
Cá dentro, tanto para dizer sem saber por onde começar. Bem, talvez não seja sequer preciso um início quando se fala de coração mortal para coração eterno; mas gostava de saber como Lhe contar e explicar o porquê das dúvidas, da busca de um sentido que perdi, porquanto aliviaria a fonte das palavras que ninguém entende. Ali, recostada, fitando por momentos a luz da vela única que aquece o metal frio do castiçal, pode ser que veja além da madeira, ferro e betão que me sustentam, conversando em silêncio num aparente monólogo; falando pausadamente [de mim para mim, muitos dirão] na esperança de um novo fôlego, uma espécie de empurrão [como diria alguém agora de outro mundo e que conheci, um dia] ou qualquer coisa do género que apague o medo de partilhar uma alegria e toda a tristeza que corrói cada pedacinho deste Eu. Busca infrutífera, desejo vão. Quero crer que não. Creio mesmo que não, porquanto não estaria ali, sentada, numa manhã de Sol como numa tarde de tempestade, sentido o arrepio das correntes de ar.

A verdade, no fundo, é que os minutos passaram e uma hora ou duas ganharam forma. E nada. Ou melhor, nada menos qualquer coisa. Um descanso pelo menos ganhei. Uma pausa do mundo lá de fora, enquanto lidava com aquele outro que não sai de mim. Talvez não seja plenamente o que queria; antes uma migalha obrigando-me a, de novo, uma e outra vez, “perder” assim algum tempo. Até um dia. Ou até dia nenhum.

Transcrever quanto me cruzou as ideias naquele banco esguio, não serei capaz. Desenhar o aperto que senti, roubando-me o ar leve que respiro, e o que me pareceu ouvir, sussurrado ao ouvido, não. Porque ainda não percebi em que língua me falou ao pressentir a dor que não quero deixar sair.
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Saio assim, de mansinho, caminhando sobre a laje fria e luzidia que me olha, de baixo, e permite que a pise, mesmo que sem ruído. Está Sol. Desta vez está Sol quando deixo aquele refúgio.


É.
Às vezes preciso daquele silêncio.
Da companhia de nada e de ninguém que só ali encontro, tentando conversar sem mexer um músculo, escutar a sabedoria que cresci ouvindo pregar e esperando. Aguardando pelo momento reconfortante do abraço invisível.
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4 comentários:

jumpman disse...

Porque por vezes só isso nos pode dar a tranquilidade que precisamos.


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Anónimo disse...

Nem mais minha amiga, precisamos muitas vezes de estarmos simplesmente em silêncio, de ouvirmos o nosso Eu, de reflectir no Bem e no Mal que nos rodeia e, assim reiniciar o nosso caminho, mais fortes e ao encontro do abraço que se chama Vida.
Adoro o que escreves, é profundo, bonito e sem reflectir medo. Espero que nunca deixes de escrever, este Mundo precisa de muitas pessoas como tua amiga.
Beijitos
Maria

Jo disse...

ai como foi bom ler este texto, estas palavras. Identifiquei-me com essa busca, com esse conforto no silêncio, tb eu o procuro, para mim, inúmeras vezes.

Confesso que sinto esse abraço invísivel desde pequena. Não sei explicar, parece um tanto ou quanto descabido, mas é verdade. A diferença é que dantes acreditava à maneira da igreja, digamos assim, e agora acredito unica e exclusivamente à minha maneira. Porque ninguém me pode dizer no quê acreditar.


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Alma Nova ® disse...

É nesse refúgio, no mais fundo do nosso Eu, na paz e no silêncio, falando "só para nós", que muitas vezes encontramos todas as respostas...ou nenhumas, porque se calhar não há respostas para encontrar, elas habitam dentro do nosso coração. Mas, esse encontro connosco ajuda-nos sempre a encarar com mais coragem o mundo cá fora. Gosto da forma como escreves, como te expões, convicta e segura, mostrando coragem e honestidade perante a vida. Fica bem, amiga. Jokitas, Luísa.