17 de abril de 2007

Riiiing Riiiing... e desligou depois

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Há coisas que não estão, pura e simplesmente, certas. Aconteceres que desafiam as leis do que pensava ser um Universo com algumas regras básicas de funcionamento [mesmo que muito, muito, muito rudimentares e, demais vezes, incompletas]. Lidando com a morte numa base diária, olhando-a de perto há já algum tempo, conhecendo o olhar dos moribundos [ora calmo, ora profundamente triste] e tendo já deixado partir gente [acarinhada e cujo sangue corre nas minhas mirradas veias] após dias e noites envolta em azafamada demanda num quarto de hospital cheio de alarmes e luzinhas, deparo-me com um vazio tão grande [que me gela por dentro sem sabê-lo possível] quando duas ou três frases põem em derrocada parte do meu ser.
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Não pretendo dominar o inevitável, questionar irracionalmente a certeza do cerrar dos olhos que bate à porta de todos, um dia. Mas queria que a gente boa deste mundo, que tanto incentivou os meus objectivos, que, mais ainda, me ensinou sobre ser uma Pessoa, sobre querer sempre mais e não desperdiçar a vida com futilidades ou vê-la fugir-me por medos nascidos na voz da inveja do mundo em redor, pudesse respirar por mais uns instantes. Queria, iludida e inebriada, que a entrega a que se votaram na Medicina e na vida, [exemplo que só em sonhos conseguirei sonhar], não fosse estupidamente terminada ao cabo de menos de meio século de Primaveras.
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Queria ver serem mentira as duas ou três frases que me gelaram e cravaram de dureza, para suspirar de alívio. Não por mim [porque a dor que possa sentir é sempre mais suportável do que a de pressentir tristeza ao meu redor]; antes, isso sim, para que não se perdesse para a terra fria e os vermes recicladores, o sorriso que espalhava e com que recebia quem dela se acercava.
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Queria mas não posso. O tal Universo não se rege pelos anseios de milhões de seres minúsculos deambulando num planeta pequenino. E, por isso, em lugar de voltar a encontrá-la percorrendo, apressada, os corredores do hospital ou de a ver rindo nos jantares erigidos numa sala da urgência, vê-la-ei lutar [com um bilhete apenas de ida para sítio nenhum] contra um cancro mais forte do que a razão, decidido a ficar e vencer; que chegou de mansinho e, subitamente, lhe roubou o rubor ao falar e a força para se levantar de manhã.
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Aos meus ouvidos não há palavras de consolo que cheguem.
É um dos males de conhecer as doenças, as pessoas e a impotência que domina tanto do meu dia-a-dia.
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Talvez a ruindade seja o que mantém de pé tanta gente por aí, aproveitando-se a morte ceifeira [matreira como uma raposa e sabedora de quais presas escolher] da gente que aprecia o Sol pela manhã.
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5 comentários:

not me disse...

Um dia decidi fazer parte do grupo de voluntários do I.P.O., e como me pediram, fiz uma entrevista e uma consulta com uma psicóloga! Acabei por concordar com o facto de que não me encontrava preparado para assistir de perto a nada que tivesse haver com dôr, sofrimento e morte, mesmo sabendo que a minha missão seria a de transmitir sentimentos opostos a pessoas que precisavam! Na altura senti-me um bocado inútil e fiquei com inveja das pessoas que, como tu, o conseguiam fazer! Hoje em dia, uns anitos depois, não sinto mais inveja nenhuma, mas sim uma admiração tremenda por estes seres raros que ainda existem no mundo!
;)

Idiota disse...

Também a admiro...

Anita disse...

É incrivel a nossa pequenez... impotente o nosso querer em momentos que queriamos poder tudo. Há instantes em que nada nos pode acalmar o doloroso sentimento de perda...
Apreciemos o sol que nos envolve!

Angell disse...

Comprendo a perda de alguém que nos é próximo por essa doença. Foi há 16 anos... Admiro quem consegue lidar dia a dia com o sofrimento dos outros; e trazer-lhes um pouco de Sol. Eu não tenho estofo para tanto...

Bjs!

ÞrincessFaßiana disse...

Admirável ... :)))
Bjo Fabi ***