13 de abril de 2007

Uma nenhuma declaração em dia de enguiços, bruxarias e coisas assim

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Nos dias em aquela hormona se pavoneia no meu caminho e me penetra todos os poros, vagueie eu por onde quer que seja, devia apanhar um comboio e abraçar uma existência eremita numa qualquer floresta longe daqui. Sinceramente [e definitivamente também] não partilho do encantamento sentido por outros humanos que comigo partilham a constituição cromossómica XX, ao cruzarem-se com, ou simplesmente ao avistarem no fundo da avenida, um imponente útero gravídico. Tanta progesterona e instabilidade causam-me um prurido visceral mais forte do que a razão. E há dias em que quase parece todas estas belas donzelas haverem combinado sair dos casulos recatados...
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Não serei, certamente, muito normal ao dizer tais barbaridades [há quem argumente ser a minha postura contra-natura, devendo, por isso e, pelo menos, manifestar-me publicamente de outra forma], porém o facto real é a minha não sedução [ou autêntico derretimento afectivo, como julgo ver amiúde (felizmente para a minha sanidade, com uma frequência algo reduzida)] pela figura maternal em vias de receber um rechonchudo bebé nos braços. Falta-me, decerto, influência estroprogestativa no córtex, pois até já pecado me disseram ser, não sentir uma ternura imensa ao deparar-me com uma senhora de camisa justa e barriga empinada, graciosamente escolhendo roupinhas para o sortudo petiz ainda desconhecedor do ar que se respira neste mundo.
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Se vivesse nos EUA [e não tivesse a formação que tenho] era capaz de escrever uma carta desesperada e enviá-la [pomposamente ilustrada por um vídeo repleto de lágrimas] ao caro Dr. Phil, mendigando a sua ajuda para resolver o meu [suposto] problema maternal (??!) [expondo-lhe os meus receios de uma infância traumatizante agora reflectida na insensibilidade à vista]. Mas não vivo, não vou em cantigas, não tive "desses" problemas enquanto miúda e, muito menos, anseio [consciente e inconscientemente] pensar e/ou sentir de outra maneira.
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Resultado? Apoio e respeito todos quantos pensam, sentem, percepcionam e se emocionam de outra maneira [mais normal, digamos]. Mas não me exijam nem julguem [embora tal pouco me afecte, para ser sincera], por não ver a mesma cor que muitos vêem, por não gostar do mesmo paladar que a maioria pede para repetir, por ser sincera e não hipócrita, porquanto falo pela minha boca e dou voz ao que me nasce cá dentro, quando não me revejo no papel estampado nos vultos maternais com que deparo.
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Que sejam muito saudáveis [desejo sincero de médico] e extremamente felizes, é o mais que posso ambicionar [e creiam que escrevo com honesta verdade]; porém, continuarei [no mundo frio em que dizem que vivo] sem me "aternurar" ou desejar estar no seu lugar. Talvez assim [embora não seja este o motivo que me retrai (já que retracção alguma existe, aliás)] poupe o resto da humanidade a rebentos irritantes como eu.
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10 comentários:

not me disse...

Ah, olha que no meu ver até és muito normal, o facto de não sentires o que a maioria sente ao deparar-se com a imagem maternal não te torna fria concerteza! Aposto que te comoves com coisas que a maioria nem nota que existem! Ainda bem que não vemos o mundo com os mesmos olhos que os outros... na verdade as pessoas mudam durante a vida e começam a dar importância agora a coisas que nunca lhes tocaram no passado, assim como deixam de dar importância a coisas ás quais deram demasiado tempo de antena anteriormante!Pessoalmente, eu nunca digo nunca, prefiro o termo "não creio" ... ;)

Angell disse...

Já pensaste que grande seca seria se fossemos todos iguais? Se gostassemos todos do mesmo, das mesmas coisas? Não somos obrigados a fazer algo, dizer, porque os outros o fazem! Isso é que é o interessante da vida! Digo outra vez que não tens nada de insensível! Insensíveis são os que nada sentem, nada partilham, nada dizem, nada expressam; nada fazem de bom e gratificante desta vida! :)

Bjs!

jumpman disse...

Simplesmente uma declaração de individualidade :)

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Libertyn n' us disse...

talvez o desafio seja não te deixares influenciar por esse "odio visceral" quando estás vestida e pronta para o acto médico....quem sabe

Maria José disse...

Não lhe chamaria ódio, porque de tal sentimento nada tem. E muito menos algum dia influenciaria o meu trabalho, muito pelo contrário, até.

Idiota disse...

Eu não sei se estou em sintonia, com o seu sentir... Mas eu consigo compreender certo sentido das suas palavras... Nos meus olhos o reflexo de uma barriguda procriante não me parece sedutor, não me parece entrenecedor, mas pelo facto de guardar algo ternurento daquilo que vivi algures na minha vida a ideia de que um ser vivo nascido (supostamente por amor) por meus compadres humanos, faz-me vibrar por ressonancia de felicidades deles agora e também algures no meu passado. Diga-se é um prazer parasimpático, e nada reflexioso da realidade...
É um texto corajoso o seu texto...
Achei piada à parte do Dr. Phill, O mestre resolve problemas americano;)...

Maria José disse...

Sem dúvida que me alegro por ver quem ao meu redor, calorosamente esperando o nascimento de um ser perfeito e divinal, sorri ao sentir a riqueza que lhe cresce no ventre; ou quem, tendo sido parte na geração dessa magia, acompanha, orgulhosamente, a futura mamã e, derretido, a olha com paixão. Simplesmente, não me vejo, a mim, nesse papel. Tão simples quanto isso. E indigna-me um pouco a intolerância para com a diferença nas formas de sentir ou de viver.

É, pois, perfeitamente natural que seja eu quem peca com tais ideias, porquanto deve ser da natureza humana [e animal em geral] sentir-se impelida e encantada pela manutenção dos seus genes, pela continuidade da sua obra, pela partilha de algo seu.

Como digo, talvez poupe eu assim o resto da humanidade a rebentos irritantes como eu.

Quanto à não compreensão do meu texto. Natural. Talvez seja mesmo contra-natura.

Idiota disse...

Infelizmente é mesmo de mim! Já não é a primeira vez que não compreendo um texto... Desculpe se isso remediar alguma coisa...

Maria José disse...

As palavras não são lineares, os significados que atribuímos ao que lemos ou ouvimos é diferente a cada instante e distinto do que percepciona um nosso amigo que connosco cresceu partilhando uma vida de experiências. Simplesmente, porque somos únicos. Por isso, e porque é da nosa natureza questionar e duvidar, não creio haver lugar para pedir desculpa por, tão-somente, se pensar e exprimir.

Todos [espero] continuaremos a pensar, a sentir e, por vezes, a deixar que outros toquem essas nossas dimensões.

Anónimo disse...

É que talvez tu engravides de outra forma. Ou escrever, por vezes, não é como 'parir centauros'?
aproveito e te deixo uma cria:

CEIA:

Dia sim
dia não
tem pedra
tem pão
na mesa
do meu
coração



www.poetkaibers.blogspot.com

bjos amenos no rosto vazio da alma!