5 de dezembro de 2007

Vendo este tempo e estes dias que deslizaram

Já ouvi tantas histórias. Incontáveis filmes entraram também na retina e fotografias sem número foram vistas sobre mesas de café, areia molhada, sofás de todos os feitios e toques. Vi, revi, senti até tudo isto, mas pouco guardei como meu na memória e no fundo da recordação, naquele lugar onde nada se perde nem transforma; antes permanece intocável e magnífico. Afinal, pouco ou nada era pertença minha, ambição ou desejo concretizado. Talvez apenas momentos de gente alheia a mim, que desenhava no ar conversas de alegria e pesar, pedindo silenciosamente que me sentasse e escutasse as peripécias das vidas que iam sendo suas, mas que pouco conseguiam colorir. Pelo menos aos meus olhos. Estes de cor perdida que olhando o mundo lá fora, abriam a alma às suas palavras de vitória, humilhação, amores e desamores. Sendo amigos se lhes pedissem mesmo sem pedir.
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Já ouvi acreditei, mas sempre pensando secretamente que muito faltava em cada pedacinho do que me contavam. Na verdade, uma imensidão de tudo parecia estar ausente dos relatos, dos sorrisos fotogénicos, das prendas um dia abertas por gente, no fundo, de carne e osso como eu.
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E apenas pensava que ambições nascidas em mim jamais poderiam cobrir-se de pó, sorrisos forçados não teriam lugar nos anos da minha vida e dias solitários seriam preenchidos pela companhia de mim, sem procura de gente pela gente e, no fundo, só porque sim.

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Curioso como não perdi a vontade de ser Eu e aquele pensamento persiste.
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Curioso também como um dia vi tal anseio e raciocínio estampados noutro rosto, ganhando vida num olhar que falava para todos mas também como que numa frequência perceptível somente para quem prestasse atenção. Essa que preferi à banal. E que me contou tantas histórias realmente reais ao longo do tempo, sem promessas de rosas e doces, sem fingimentos de ocasião, sem adornos que se estragam com o rigor das estações.
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Curioso e diariamente surpreendente, como continuo a ver e tocar o rosto que um dia descobri na multidão vazia de Pessoas, conhecendo agora de cor os seus contornos, esperando um dia desenhar com as minhas mãos cansadas, as rugas que chegarão ao redor dos seus olhos e os cabelos caiados que abrirão caminho sorrateiramente; com os anos, com as quedas e vitórias que deixam marcas no fundo da gente.
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Curioso e real.
Sim, real.
Sem dúvida que real, porquanto o sonho não abraça ninguém quando as lágrimas correm ou o sono foge do corpo e alma importunados pela preocupação, pela dúvida, pelo medo.
E eu fui abraçada.
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11 comentários:

Vitor disse...

Abraça o corpo que pertence a esse rosto...

Beijo

jumpman disse...

Real. Tal como o abraço que sinto, nas vitórias e nas derrotas, o toque que me conforta e o olhar que me prende.


E a cumplicidade que não se explica, sente-se.

Ontem, hoje e amanhã.

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Anónimo disse...

Só perde a vontade quem não é real, quem não sente, esses sim fogem com medo do abraço, simplesmente porque não passam de matéria oca e vazia...

Alma Nova ® disse...

...Curioso, como os teus olhos se mantiveram despertos até encontrarem o "tal olhar" que gritava mudo, e no meio da multidão a tua vontade de Ser o escutou...e como, certamente, os teus dedos contornarão os desenhos traçados pela vida... Porque és real, verdadeira e os sentimentos povoam o teu coração!

Anónimo disse...

Voltei Minha Amiga, tinha de o fazer. porque algo ficou por dizer...Cada dia que passa, melhor escreves, gosto de te ler.

Afonso Faria disse...

Tranquilamente transmites esta vivência. Bonita forma de a escrever. Não fácil, mas ornada, completa.
Gostei!

Brain disse...

Curioso como é impossível,
Não ter vontade de voltar,
Sempre,
E uma vez mais,
A este teu lugar.

Curioso e real.

Escrito, deliciosamente fantástico!

Beijo.

PS: Lá te espero ;) com todo o prazer.

Oliver Pickwick disse...

Humm... deixa ver se tem alguma placa de advertência... Cão Feroz? Não... não tem! Moradores do condado de Deux Chevaux não são bem-vindos... não, também não tem! Garota boazinha!
Brincadeirinha, Maria José, apreciei a variação, desta vez você não escreveu utilizando-se da descrição de um lugar - o que você faz de modo insuperável -, como pretexto para abordar determinado assunto, foi direta, numa antologia de muitos momentos ao longo do espaço-tempo, se é que este conceito admite a expressão "ao longo". Mas o seu estilo e sensibilidade são perfeitamente reconhecíveis no texto
Como sempre, gostei muito!

Idiota disse...

E palavras faltam-me quando leio tudo isto.
Obrigado pelos textos. Pelo pedaço de ti que escreves por vezes sinto revolta, dor mas sempre no fim alguma esperança ou nostalgia.

O Profeta disse...

Vim visitar-te e saborear os teus sentires...

Trago comigo o aroma da terra
Sandálias feitas de alva espuma
Um dom cravado nesta alma singela
Um oceano de sonhos perdidos na bruma


A magia está a chegar no brilho de uma estrela
Reflectida nos teus olhos


Boa semana


Mágico beijo

Insanity or Madness ?! disse...

lindo!