12 de janeiro de 2008

Another one sleeps

Se te contasse, como os fantasmas da noite atravessam as paredes lentamente, surgindo do nada e tomando conta de tudo quanto se refugia nos recantos sem sombras, apenas escuros, muito escuros. Como os seus contornos de figura inumana se fundem no papel de parede, suspensos no ar que pára à sua passagem, cedendo espaços por entre o nevoeiro em que se transforma e que nasce das cinzas de uma vela reduzida a um punhado de cera disforme.
Se te contasse, como o gelo cobre as almofadas, lhes rouba o toque suave e deixa ficar em seu lugar uma faca afiada. Essa tal, que toca a pele, corta, brilha no negro da noite e chama um fiozinho de sangue vermelho, que tinge o frio dos lençóis e desaparece.
Se te contasse, como o vento rodopia quando uma luz se acende nesse temer dos fantasmas e da lâmina escondida. Como se deita no chão e agita, devagarinho, os tapetes. E como sei que voariam, se pudessem.
Se te contasse que um filme de terror salta da televisão desligada, acelerando o coração, arrepiando a espinha, arregalando os olhos negros pelo sono que devia ser mas não é. Um filme que atrasa as horas, suspende o tempo e afasta o dia.
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Se te contasse tudo isto não ia conseguir explicar. E apertar-se-ia tanto, tanto, tanto um bocadinho de mim que ainda respira. Sem que conseguisse explicar.
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Que a luz não ilumina mais, nem o Sol resolve o que a noite complicou.
Que um calafrio não desaparece quando se procura mais um cobertor.
Que os fantasmas chegam sempre, não se atrasam, não se esquecem, não trocam o número da porta que não usam. Acordam o aquele que se sente sem sentir e que caíra no sono momentos antes; destapam-lhe o corpo cansado e sussuram ao ouvido que a noite é sua. E de mais ninguém. Porque não são invenções esfumadas num abanar de cabeça, piscar de olhos ou banho quente. São vultos que gelam e golpeiam com precisão invejável. Cada vez mais fundo. Cada vez mais ao som ensurdecido do filme que mais ninguém sabe queimar o écran.
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Se te contasse, não ia falar.
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Não quero ir dormir. Não quero acordar sem ter dormido; sem sono mas sem descanso. Não quero ir. Posso?
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5 comentários:

Anónimo disse...

Noites povoadas de fantasmas...
Sonhos vividos entre soluços corporais...
Descansos perdidos e corpos doridos...
Não vou, não quero, dormir mais assim...Posso?

Alma Nova ® disse...

Também não quero dormir assim!
Quero serenar no silêncio e que na escuridão da noite a alma descanse e o corpo recupere da canseira dos dias.

jumpman disse...

E não é necessário falar.

É afinal, o que se percebe no discurso único que não ecoa pelo seu meio natural, mas percebe-se em cada poro, gesto e toque.

E não é necessário explicar. Porque também se sente o aperto que se vê espelhado no olhar.

Shelyak disse...

Por vezes, dou comigo a pensar onde andarão os meus fantasmas...felizmente, têm andado adormecidos; quando acordam e se querem deitar ao meu lado, caminhar ao meu lado, sorrio e, em paz, mando-os de volta para onde estavam...
Não tem sido fácil mas consegue-se...
Belo texto, como já a tal me habituaste...
Beijinho e boa semana para ti!

Oliver Pickwick disse...

"Que os fantasmas chegam sempre, não se atrasam, não se esquecem..."

Talvez busquem simples companhia, acostumados às presenças já distantes no tempo - quando ainda eram vivos, de outros iguais, que atravessavam paredes, buscando o fim da solidão, o mais sombrio dos filmes de terror.
Beijos!