23 de janeiro de 2008

Contos

Queres que te conte uma história? Não sou nem serei avozinha querida, ternurenta, abraçando o petiz de olhos vivos e corpo às vezes como que tomado pelo diabo. Portanto não são contos de fadas para sonhar e abrir as portas à imaginação, que vais ouvir. Fugiram da minha essas palavras coloridas e de encantar. E não tenho vontade de correr numa épica procura da clareira onde se refugiaram. Finders keepers. E bom proveito.
Mas perguntava-te sobre a história. Hoje não te falo das ondas, da maresia, das pedras redondas à beira rio, das estações que harmoniosamente se sucedem, do pôr-do-sol que embala o sono adiado dos turistas de ocasião mesmo aqui ao pé. Querias ouvir, era? Querias que descrevesse a cor da estrada, o cheiro do pão acabado de cozer, fumegando sobre tabuleiros reluzentes? Ora, perde uns minutos e vagueia no monte, na albufeira, na cidade, na foz e descobre por ti essas maravilhas. Porque a história que tenho para te contar fala do lado sombrio das vielas, da humidade dos dias, da perdição no desespero. Quero que te lembres que há um mundo cinzento e real (não mera concepção virtual num universo paralelo), neste mesmo onde se apregoa uma igualdadezinha de ocasião, vivendo cada um a seu belprazer, embutido numa pseudo-intelecualidade que me adormece os dedos de revolta. Sim, prefiro improvisar uma história real, com amores e desamores, noites em claro por razão nenhuma e apenas uma dor que corta devagarinho, profundamente, sem sangrar nem manchar a máscara. Prefiro ver os teus olhos revirarem com a surpresa da iniciação no dia-a-dia de gente de carne e osso. Rir, flutuar em pensamento, abraçar nobremente pessoas e causas não é utópico. Mas está longe de imediato. Por isso não te conto histórias para cimentar o teu pensamento criativo e ponto final. Relato-te antes linhas delineadas da experiência lida, ouvida, pressentida e, admito que menos, vivida.
Não sou nem quero ser a avozinha simpática na velhice nem na juventude, afagando cabelos na suposta certeza de curar maleitas de crianças e graúdos. As lágrimas, os tropeções, as desilusões, as injustiças dissimuladas, os juízos de valor e tantos, mas tantos erros de pensamento ou autênticos atentados à razão e inteligência, jamais me perdoariam se te pintasse um quadro aromatizado com a tua essência de eleição e pintado nas cores que te alegram os olhos. Não. Quero que eles se abram e escutem a realidade, na certeza da sua diversidade e da possibilidade de seres um pouco melhor.
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Um pouco melhor do que eu.
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4 comentários:

O Profeta disse...

Sabes querida amiga, só tu podes escreves a tua história e ela faz-se de cada sonho, da viagem que tu teimas em não colorir com as cores do arco-íris...


Doce beijo

Idiota disse...

Na nossa exigência, no nosso limite de imaginação, pecamos pelo simples acto de esquecermos a base, tudo o que se pensa é irreal.(Em contraponto do que se vive, e sublinhando diferente do que se sente e das suas interpretações). Não acredito (nem quero encontrar alguém melhor que eu), simplesmente prefiro alguém que me "afine" tal qual vinho e "queijo irmão" se derreta inchando o todo o sabor na minha boca.
Assim, sou o melhor, és a melhor, o mundo é o melhor para cada qual inserido no seu mundo.
Das histórias que vou seguindo [ao meu ritmo, não o desejado, mas o conseguido] como leitor fico grato por elas assim, como são.
De qualquer modo... Enfim, quem sou eu?!?... :)

ivone disse...

a magia do era uma vez...

jumpman disse...

Antes as histórias reais improvisadas na mente que qualquer história cor de rosa de trazer por casa.

Porque o próprio real pode ser uma história, com todas as faces de uma vida, sem ser preciso adornar seja o que for.