6 de janeiro de 2008

Horas de nada

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Sentei-me como outrora fazia, nessa altura montando imagens e caixas de texto, discutindo comigo resultados de trabalhos desenvolvidos no mundo da ciência, tentando coordenar o que pensava e o que queria (e tinha) que dizer numa qualquer sala repleta de gente inquisidora. Nessa altura.
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Sentei-me na mesma cadeira, conhecendo ainda de cor o ranger da madeira quando me espreguiçava ao fim de umas horas e dava descanso aos olhos aguados pelo sono e pelo cansaço. Recostei-me, como dantes carreguei no botão vermelho do comando e a música começou outra vez a tocar baixinho, olhei a folha em branco que por ali alguém (eu, talvez) esquecera em cima da mesa castanha, e vi claramente o tempo que aconteceu. Naquela altura. Quando o trabalho estava já terminado e madrugada chegava lá fora, embora aqui uma vela dissesse que ainda podia esperar um pouco mais antes de ir dormir. Uns minutos intermináveis de conversa sobre o mais profundo dos assuntos e dos sentires: os que podem ter qualquer nome, mas se distinguem pela espontaneidade.
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Sentei-me então no mesmo recanto. Uma vela antiga e coberta de pó espreitava de soslaio, ou então era eu que assim a olhava, coberta com o pó das memórias e mais velha, com alguns sulcos já na pele. Não precisava de compor qualquer comunicação. Não havia por que ter olhos vermelhos e ensonados. A música chegava-me do mesmo sítio de sempre. A caneta ainda estava na gaveta da direita da escrivaninha. O computador mudara de cor. A conversa mudara de lugar. E de tempo.
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O relógio lá dentro deu sinal das três horas. Ecoou por toda a casa e só eu, hoje como noutros dias de noites sobriamente passadas sem juízo, na descoberta, à luz e aroma quente que subia do castiçal de madeira, estava ainda longe do mundo dos sonhos. Nenhum anjo desceu à Terra. Nenhum diabo com asas emprestadas caiu ao pé de mim. Só a lembrança de uma conversa. Agora, a madrugada impunha que fosse dormir e a vela perdera o pavio. A conversa era outra e mudara de lugar.
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6 comentários:

jumpman disse...

Relatos de um tempo não muito longínquo de partilha de ideias, sonoridades e de personalidades.

Tempo de descoberta.

"Three o'clock in the morning
It's quiet and there's no one around"

Chris disse...

time...

tic tac tic tac...

(:
adorei, nunca pouses a tua "caneta"


Beijo Grande!!

Alma Nova ® disse...

Horas em que o passado retorna e traz com ele tudo o que já se viveu. Horas cheias de experiências, procuras e conhecimentos.
E palavras como estas continuam a ser a razão de existir deste novo(já velho) mundo virtual...Não pares!

Anónimo disse...

Uma reflexão feita de vida, onde as palavras se transformam em instrumentos de análise, para simplesmente compreendermos o nosso verdadeiro passado, liberto do espelho deformante das emoções...

Afonso Faria disse...

O tempo horas, o tempo momentos!
O hoje, sempre o hoje! A evocação do passado que não seja mais que isso!
PS. Que OLHO, que olhar menina!

Idiota disse...

Flashes de: memórias, sítios, lugares, coisas... Acontecem...

Sentires recordados, folhas e pavios cintilantes que nos trazem borbulhares salvíficos para a alma, para a mente e para o corpo...Existem... [e têm que existir].

Tempos passados e conversas nostálgicas sem hora vingarão sempre em nós mesmos [e no nosso mundo].

A não surpresa a que se chega. Sempre com mesmo resultado...de índole científica ou não. Temos de dormir [:)] e normalmente os sonhos deslocam-se da realidade. E, por vezes acorda-se fracções antes de nos deitarmos.... E talvez, para pouco depois se redescobrirem as outras conversas, as que nos embalam noite dentro. [Digo eu]