29 de junho de 2008

As coisas e o resto

Um dia, no fim do mundo, quando o tempo acabou e o espaço encolheu, alguém chorou a alma e o desejo. Deixou-se cair por terra, levantou uma poeira pesada e ergueu os olhos para dentro de si. Ouviu um sussurro vindo das entranhas moribundas e sentiu um sopro de vida. Era chegado o instante de recriar o mundo, alargar a vida do tempo, romper as amarras do espaço.
.

.

21 de junho de 2008

Pequenices


Gostava de escrever, um dia, um dia depois de agora. Das personagens tenho uma ideia vaga, da história nem isso. Mas podia desenhá-la neste instante mesmo no meu pensar, redigi-la em papel de vidro e lê-la à transparência nesta vela que se apaga para me dar luz. Não pelo prazer do meu nome ser o da sua origem, antes pelo acontecer de mais uma história para alguém, nalgum tempo, num qualquer momento de sol ou de chuva, se esquecer do tempo e parar o que, real, corre sem destino.
Gostava de viver a magia imaginada, do escritor louco que perscruta os caminhos das palavras, adormecendo no colo de um "boa noite, chega-te a mim para fechares os olhos no silêncio do descanso". Como seria? Como seria sentir assim? Como seria criar e destruir mundos na fantasia? Como seria?
Gostava de deixar cair o lacre do meu nome na contra-capa de folhas bolorentas, longe da saudade do não ser, perto da irrealidade que conforta.
Talvez um dia, impossível, as serras, as areias negras, o sangue vertido na cruzada citadina, o novelo sem ponta da alma, sejam história.
.
.
.

.

18 de junho de 2008

Andar

.

.
.
Às vezes olho, penso, leio, reflicto, chego a lugar nenhum e regresso a onde estava quando parti. Quando saí de nada e voltei ao sítio estranho que cresce e se contrai com a dimensão do Universo. Fico sem saber se é melhor ter sido e desaparecer, ou nunca sequer lá chegar nem ter chegado.
.
.

15 de junho de 2008

Gatos sem sono

Quando acordei já estava claro lá fora, mas ainda estava escuro nalguns cantos do céu, atrás das casas, nas curvas apertadas dos montes e debaixo da minha cama. Estava uma claridade tingida por nevoeiro, um cheiro a quente e frio misturava-se com o Verão que adormeceu ontem à noite, rara gente chapinhava na avenida, um miar longe quebrava o silêncio ou parte da ausência de ruído da cidade.


.

.

Agora já passaram horas desde esse despertar. E o que hei-de fazer?
.

12 de junho de 2008

XXX-IV

Não tenho assim nenhum cansaço dos olhos, nem das mãos nem das pernas nem de sítio nenhum do meu corpo. E da cabeça tenho o conhecimento que está acordada e não dorme. Não tenho assim nenhum sono especial. Nem de outro tipo qualquer.
.
.

.

E então neste não ter, conto a história de um dia que já é pelas horas do relógio, mas que só se diz que nasce quando as elas passarem um pouco mais e o Sol se vir lá fora. Não conto tudo; afinal, são já um punhado de dias acontecidos e poucas as linhas que conto encher de tinta. Conto a imaginação de um desses dias, um desejo, o como seria bom.
.
E seria bom ter sono e dormir.
Acordar e respirar o Sol e o calor.
Sentir os sorrisos ao fim do dia, ler a adoração num olhar encontrado entre esses tradutores da linguagem da alma, deitar a cabeça sobre o peito de coração atleta e deixar chegar outro sono.
Acordar e ser...
.
.~
.
Não tenho sono nem vontade de ir dormir. Fecho os olhos e vejo o pequeno sorriso que, por momentos e isolado do mundo, não esqueço. E tento dormir. À falta do resto. Até do sono.
.
.

10 de junho de 2008

Notas

.
Há um fosso entre mim e essa coisa nenhuma que pretende roubar-me o ser. Um fosso, na distância das compatibilidades de nós; coisa e eu. Um quarto aqui ao pé, na proximidade que se impõe vinda de fora.
.
E em mim, apenas um fechar de olhos e respirar fundo. A ver o mar. A sentir o vento. A queimar ao Sol.
.

.

5 de junho de 2008

XXIV

Estou aqui sentada e está escuro lá fora. Está tão silencioso este quarto e esta casa. Está um tempo estranho, daqueles de tempestade insipiente, quando o Sol brilha estranhamente e a chuva espreita à espera de um deslize. Tantos sonhos maus, tanta realidade sem sentido, tanta vivência de coisa nenhuma. E, no fundo, uma única memória. Uma única saudade. Uma falta, mas de nada que se perdeu, antes do tanto que se tem num pequeno mundo dentro do grande planeta que vai desbotando o azul. Uma falta, diria, do futuro que é já agora, dentro de momentos e à distância dos anos que se contam em meses. Uma falta tua, uma saudade de ti, um desejo do perfume, uma loucura sadia, um risco calculado de ter exactamente o que se quer, longe das dúvidas que nem sei o que são. Uma única saudade, feita das pequeninas partilhas de palavras meias ditas mas completas, ou frases sem ponto final mas sentido conseguido. Uma espécie de coisa nenhuma na linguagem dos Homens, um todo na subliminar mensagem que percorre os nossos arrepiares. Desde sempre. Desde há tantos dias. Desde sempre... desde que o sempre começou.
.

Estou aqui sentada, depois das horas que contei no ponteiro saltitante ao pé da vela que se queima, devagar, incendiando os aromas e serenando os pós da Primavera singular que chegou faz dias. Escuto o silêncio da casa quase adormecida e o sons musicados que me fazem companhia. Uma almofada conta-me histórias. Uma cama sussura-me o sabor das essências deixadas pelo perfume dos corpos. E, no fundo, uma única memória do presente ecoa, abafando os gritantes desesperos dos mesmos dias ou as complicações inexplicáveis doutros que já foram. Aquela que se chama tu. Esse tu que adormece de palma da mão sobre um rosto cansado de tudo, mas sorridente ao sentir quente de qualquer coisa especial. Nome? Nós.
.
.

.
.


.

.

1 de junho de 2008


.
.
Dormir.
No silêncio.
No jovem sentir do erro, do equívoco, do que tem que ser.

.
E nada mais.
.


.

.