27 de julho de 2007

Há muitos dias, muitas horas,

alguém escreveu para que lesse e guardasse sem esquecer, que "há um centésimo de segundo do teu sorriso suspenso nos meus olhos". E não esqueci. Não olvidei nem perdi o rasto ao perfume das folhas, à cor da tinta negra, ao significado das palavras. Mais, ao sentido do sentimento.
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Alguém escreveu e me ofereceu esta recordação para o futuro. Para os dias em que pensasse ter perdido o sorriso, aqueles outros sem brilho no olhar e tantos mais atormentados pela dúvida, a incertza, a quase entrega a nada ou perto disso.
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Água em casa

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Alguém escreveu, há muitos dias e muitas horas, muitos sóis e muitas chuvas, uma evidência que não queria que esquecesse. E se esqueci ou perdi o rasto ao sorriso, certamente jamais olvidei a escrita perpétua que um dia me ofereceu.
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23 de julho de 2007

Na contra-capa

Irmãos pelos genes; companheiros nos risos matreiros e nas dores que conhecemos nos olhos de um azul profundo que partilhamos, e que, quantas vezes, mais nenhuma alma perdida imagina; amigos unidos pela solenidade do respeito e da ambição.
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O que nos descreve, enfim, e dá o mote ao relato por escrever das nossas memórias conjuntas. Aquelas que inspiram textos e metáforas, discursos e exemplos que mancham as folhas do meu caderno. E são já tantos os momentos de amparo e silêncio. E tão diferentes. Mas só nossos. E de mais ninguém. Porque mais ninguém fala como nós connosco. Só nós. Na diferença da nossa semelhança.

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17 de julho de 2007

Vultos

Vi apenas que olhava um copo estranho, fazendo rodopiar um líquido sem cor.
Reconheci traços de dor e caminhos lavrados por lágrimas antigas, qualquer deles pesando sobre ombros encurvados e olhos presos no infinito daquele balcão, longe da música, distantes da gente, perto de si, apenas.
Aproximei-me sem me fazer notar, passei e continuei a caminhar. E ouvi, no silêncio daquele corpo, o pensamento sereno que lhe trespassava o coração.
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Ouço a voz como se fosse agora mesmo esse discurso falado. E quase parece real o ondular do ar à passagem das palavras. Quase parece possível agarrar o perfume das roupas; essas que desenhando os contornos de ti, sorriam sobre um corpo sussurrando a tua mensagem. Mas fiquemo-nos pelo quase. Não vai além disso. Porém, quase parece poder ser mais do que uma memória. Ou um sonho. Já não sei bem onde melhor se ambienta a recordação da imagem de ti que guardo sem saber porquê, até quando ou se para sempre.
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Não era ali o meu lugar. Quer falasse, quer escutasse, quer tentasse ser eu ou outra pessoa, apenas lhe traria a necessidade obrigada de partilhar o impartilhável, pelo menos para já. Quiça para sempre.
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Mas reparei que ergueu o olhar.
Passei, apertei-lhe com força o ombro e segui.
Ergueu o olhar e tomou novo fôlego.
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Resta-me pensar que possa ter abandonado o copo e descansado.
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14 de julho de 2007

Está Sol, lá fora

Num pedacinho de tempo e de espaço que consegui roubar ao meu dia e à realidade diferente que me rodeia, sento-me ao computador e escrevo. Escrevo o que pode ser lido. Por outros que não eu.
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Falou-me da viagem ao mundo gelado. Do sonho que persegue, do mundo de ilusão em que acorda sem ter dormido. Vi um sorriso, um brilhozinho no olhar ao esmiuçar cada pormenor cuidadosamente pensado.
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Certamente se tornará realidade. Não duvido que em breve receba um postal maltratado pela longa jornada até mim. Apenas com umas breves palavras. Apenas para deixar bem claro "Cá estou! Bem me disseste que ia recriar a aventura de outros tempos!"
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Poderei ser eu a tua cronista? Deixar-me-ás escrever sobre os teus sonhos e feitos? Não farei uma biografia! Não! Também tu sabes do poder da palavra. E usa-lo, quando queres.
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Quero apenas a tua insaciabilidade, a tua energia para dar o mote [que questionas poder eu precisar].
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Boa viagem!
Eu vou regressar aos meus doentes.
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12 de julho de 2007

Uma recordação, na contenção das minhas palavras

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Foz, 2006

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No meu silêncio...
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Sonho-te a todo o instante
Ouço a rotação do teu eixo
Distingo-te por todo o lado
Na chuva que apanho das folhas
das palmeiras quando abanam
Nas searas que ondulam
pelo vento dançando
Sei que vais chegar
ao primeiro cheiro da tangerina
Vais aparecer ao fundo da rua
no momento em que acelerar o coração
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Não digas nada
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As tuas mãos
Beijo-as

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[João Gil]

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10 de julho de 2007

As histórias que se ouvem e se escrevem nos livros

De olhos estranhamente serenos, como que invadido por uma calma imensa, não sei se pela exaustão se pela chegada do silêncio do reencontro consigo, aquele corpo articulou, ao ritmo do vento, uma imensidão de nada (ou de tudo) resumida em poucas palavras. Mentira. Só podia ser mentira e não facto certo, o que ouvia naquela voz sem trémulo. Ou não queria que fosse. Talvez fosse mais isso. Sim, talvez. Por tudo e por mais qualquer coisa que ainda há-de vir à ideia, não podia ser assim. Não podia.
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Pensei, olhei para ontem, para o presente que não tarda deixará de estar aqui ao lado.
Olhei para o Sol quente que regressará em outras manhãs.
Revi os dias que passaram, na busca da ponta do novelo. Mas nem o fio encontrei. Talvez não exista. Talvez tenha uma existência tecida em fina seda de aranha tropical. Fugaz.
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Perdi-me.
Já não sei adormecer.
E acordar é sentir o Sol ou a chuva sem que a pele queime ou se arrepie.
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Mentira. Só podia ser mentira. Queria que fosse um engano.
Por ser mais fácil.

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Fácil, mas irreal.
Longe da verdade que lia na serenidade assustadora daqueles olhos sem cor. Tão negros quanto profundos. Por demais fundos.
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Porque pouco pode fazer doer tanto ou mais os sentidos que abraçam esta confissão do olhos.
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8 de julho de 2007

Encosta

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Vou até ali, ao pé daquele horizonte. Ou pelo menos ao lugar mais próximo que consiga dessa linha próxima do infinito. Sei mais ou menos como lá chegar. Onde não há mais gente. Onde não há quem veja nem sonhe poder alguém sentar-se e ficar.
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Quero estar longe.
Para poder [não] perceber quem, o quê e como apertou assim o que tenho cá dentro; que nem nomear ouso.
Não quero gente.
Não quero risos que não sinto.



Vou até lá.
E não quero fingir.
Poder antes apenas perder-me na confusão que não se desfaz com palavras mágicas; nem com as outras.
E talvez escrever outra vez.
(D)Escrever a água salgada que agora só brota no silêncio de mim.
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7 de julho de 2007

Ao relento

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Uma espécie de calma estranha. Um sossego, porquanto temido, que devia cristalizar cada milímetro cúbico de pele. E que o faz, de facto [ou que o fez], ao bater do vento agreste à porta pesada de madeira exótica de outras paragens, ou imiscuindo-se por entre o cabelo espetado, quando ainda lá estava.
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Foz do Porto, 2006

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Em pé. Olhando o horizonte; com a cabeça pesada, o pensamento confundido, o sentimento perdido, o coração apertado, sangrando lentamente e sem saber bem porquê [ou não querendo saber]. Mas também de joelhos junto ao peito, sobre um banco improvisado e olhos postos na imensidão azul-acinzentada que tinha por diante. Respirando fundo numa tentativa de aliviar [Oh! Engano que tentam vender a todo o momento!] o peso que derreia o corpo instante após instante. Um peso surgido do nada, vindo de nenhures e instalado por gosto. Ou para alertar. Para ser uma chamada de atenção, uma campainha, um sino subtil.
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Porém, uma espécie de calma estranha trespassou, numa fracção de segundo, os milhões de átomos ali congregados. Coincidente com quê? Um cometa? Um relâmpago? Um pingo de chuva mais quente? Com nada. Fê-lo apenas. Deixando um rasto de incerteza.
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3 de julho de 2007

Num sítio que não é meu nem de ninguém, onde ninguém mora nem vive

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Só via um céu assim azul sem cor. E algumas nuvens desfazendo-se ao passar do vento apressado.
Só avistava um pássaro errante, deslizando lentamente lá longe.
Só algumas gotas de chuva pressentia, por vezes.
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Mais nenhuma distracção. Nem os pensamentos, nem as teias dos armários velhos, nem as almofadas bafientas, nem as cadeiras quebradas, nem as lágrimas da saudade.
Nada mais havia naquele [outrora] refúgio de alguém. Nada mais para mim. Tinham levado o meu corpo no silêncio da noite e ali se esqueceram dele. Tinham pegado em mim com gestos de gente [des]conhecida e ali se esqueceram de mim.
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Ali, naquele sótão onde só via um céu azul assim sem cor, um pássaro errante, umas gotas de chuva.
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