"- E o acompanhante. A menina já disse quem é?"
Em vez de vermelho de emoção, vergonha ou incerteza, fosse ela de corar e todos os pequenos vasinhos sob a sua pele gelada pelo frio do Inverno teriam, isso sim, ficado rubros de raiva e indignação. Julgar-se-á a pessoa por quem lhe dá o braço e lhe cede a passagem à entrada do salão? Pelo facto de se fazer acompanhar em mais uma noite invernosa apenas pelo seu vestido exclusivo e sapatinhos de cetim?
Aparentemente, sim.O olhar transfigura-se, o nariz contorce-se, os ombros encolhem-se e os lábios agitam-se ao escutar a resposta. Ao saber que não. A menina ainda não disse quem é. Tão-somente, porque não há quem apontar para o lugar.E menina será conduzida pelo motorista de há anos. Será ele quem lhe abrirá a porta e dará a mão para que saia do automóvel reluzente sob as luzes ambientes do jardim. A menina entrará pelo seu pé. Cumprimentará os anfitriões e seguirá, sem sombra, percorrendo os corredores ladeados por retratos, troféus de competições duvidosas e recordações de estadas em outra paragens. Ouvindo, ao longe, o burburinho já conhecido da orquestra convidada e de vozes que fazem conversa de ocasião ou, curiosamente, trocam saudações entre velhos amigos.
Passará os arcos e entrará no salão, observando.Vestidos deslizando. Todos diferentes, cada qual esculpido para aquele corpo. Adornados aqui e além por discretos brincos e fios brilhantes.
Fatos negros. Cuidadosamente escolhidos, distintos, movendo-se sobre o chão delicado de uma madeira impecavelmente suave.
E uma multidão imperceptível de compenetrados serventes.
Chegará então o anúncio de que jantar será servido no salão contíguo. A menina tomará então o seu lugar numa mesa sóbria e elegantemente adornada, ladeada por gente conhecida e caras novas. Serão servidos pratos exclusivamente nossos. Assim dita a exigência dos anfitriões. A animação continuará noite dentro do outro lado das portas da sala de jantar. A orquestra cessará os acordes quase inaudíveis com que presenteou os convidados nos largos minutos que permaneceram saboreando vinhos selectos e sobremesas agridoces.
Alguns optarão por respirar fundo no jardim de inverno, inalando o pólen quente de flores cuidadosamente mantidas na estação fria. Formar-se-ão grupos de velhos conhecidos. Quase sempre com número par de gente.A menina? Circulará um pouco. Responderá de quando em vez a interpelações já habituais. E dará a mesma resposta de tantas vezes. Passará algum tempo na grande varanda sobraceira ao jardim desenhado sob o céu escuro pré-primaveril. Olhando uma Lua incrivelmente branca, senhora da noite que empresta reflexos indescritíveis aos canteiros orvalhados.Regressará lá dentro, ao ambiente aquecido mas não abafado, não sabendo já bem quanto tempo passou afastada.
Estará então à sua espera, ao fundo da escadaria de pedra colorida por tonalidades quentes cedidas pelos candeeiros tradicionais, porta já aberta, o automóvel reluzente e o motorista de há anos. Que a ajudará a não enrugar o vestido.
Seguirá então pela marginal. Afinal, não pode regressar a casa por outro lugar senão lado a lado com o Atlântico e aquela Lua.Abrir-lhe-á novamente a porta e dirá, sempre, com um sorriso, um boa noite menina.Luzes ténues por toda a casa guiam-na.
Na antecâmara do quarto despirá o vestido. O tecido leve, algo ousado mas distintamente cortado, cai sobre o sofá. Ao seu lado, no chão aquecido, repousam, já sem vida, os negros sapatos de cetim. E sobre a mesinha, os brincos e a gargantilha discretos.Mergulha então num banho já preparado, algumas das suas velinhas preferidas tremelicando no escuro.
E depois? A menina recostar-se-á na cama aberta por alguém que sabia que a sua inquilina não tardaria, até que, talvez, os olhos se fechem.
"- E o acompanhante. A menina já disse quem é?" A menina ainda não disse quem é. Tão-somente, porque não há quem apontar para o lugar.
Porque o moskito "quis" ver outra vez o texto. A continuação? Hmmm, talvez, quem sabe.