30 de janeiro de 2008

Questão

"E tu?" E eu? Eu nada. Há quem precise de comida e não tenha com que calar o ranger dos dentes, quem passe frio todas as noites e não se possa aquecer num banho quente quando chega a manhã. Há quem se perca em dívidas que arruinam os seus sonhos outrora coloridos; quem mendigue um presente para a criança de olhos encovados e tristes.
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E eu? Eu... nada. Só isso. Com tudo isto, como pode ser de valor prestar atenção a esse eu pequenino entre milhentos que gritam.
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E eu? Nada. Simplesmente há os dias, sim todos eles, que bem podiam não vir depois da noite, e as noites que não seriam julgadas se não se deitassem depois do Sol ir dormir. Vagueio aqui ao pé sobre a madeira que estala ao meu passar, caminho no cimento quebrado da rua para chegar a lugar nenhum que queira mesmo visitar. Leio de soslaio. Interrogo para quê? Já não quero. Já não me fala em língua que conheça. Corro, salto, mergulho. Para enganar os músculos, sem objectivo conseguido, chamativo.
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Desculpa, mas Eu já não sei responder ao "E tu?". Mas gosto de saber do teu Eu, de ver crescer a certeza, de pressentir ambição num caminho bem traçado. No fundo, de ver a pele desenrugada em torno dos teus olhos, decididos, sabedores do hoje que é preciso organizar, espelhos de um sentir que se crava na pele, por dentro.
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E eu... nada. Até um dia gostar de novo do ruído do dia e do silêncio da noite. Um dia qualquer, que seja como imaginei, desejei, projectei, trabalhei e perdi.
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Boa noite. Dorme serenamente. Sob as estrelas, na Terra, são os meus olhos que afastam os pesadelos que se aproximam da tua porta. No tempo do meu sono, que ardeu nas chamas que não vi, sento-me e viajo, guerreando as sombras negras que escurecem a noite e procuram a tua morada. Dorme. Dorme, longe do frio que não deixo as criaturas da noite soprarem ao teu ouvido.
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26 de janeiro de 2008

Quando o tecto chegar ao chão, ou não.

Não há dias menos maus. Há dias cheios de horas e minutos que se vêem no tic-tac do relógio da parede. Tempos infinitos que passam enquanto olho os reflexos no vidro da porta, espero que chegue o meio e depois o fim da tarde, ou conto, um a um, cada sessenta segundos sucedendo-se no vermelho do despertador. Espaços entre acontecimentos noutro sítio qualquer onde fico e vejo, enquanto correm mas tantas vezes se arrastam no fim do pelotão, uma folha que amareleceu no vaso, um pingo de chuva que bateu mais forte no asfalto, uma racha na parede que abre caminho à corrente de ar.
No fundo, não há dias menos maus. Meus ou de quem quer que seja que os ofereça, não sem antes perguntar o que me dás. Há horas que se colam aos ponteiros e ecoam alto na noite, quando tudo está imerso num silêncio sem ruído, quebrado aqui e além pelo bater do coração que então mostra o músculo que é. Horas que nem o despontar do Sol arranca ao tempo de coisa nenhuma, que se pregou às páginas de um livro confuso de letras; tantas letras que querem ser aprendidas. Mas não entram na inteligência que as poderia fazer dançar ao som de outra música. Uma qualquer, que se ouvisse, ao menos.
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Não há dias assim. Há o que há. Nada de especial. Nada que quebre o silêncio da falta de um sorriso.
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Há distinta e diferentemente, apenas, depois, uns instantes. Os momentos.
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23 de janeiro de 2008

Contos

Queres que te conte uma história? Não sou nem serei avozinha querida, ternurenta, abraçando o petiz de olhos vivos e corpo às vezes como que tomado pelo diabo. Portanto não são contos de fadas para sonhar e abrir as portas à imaginação, que vais ouvir. Fugiram da minha essas palavras coloridas e de encantar. E não tenho vontade de correr numa épica procura da clareira onde se refugiaram. Finders keepers. E bom proveito.
Mas perguntava-te sobre a história. Hoje não te falo das ondas, da maresia, das pedras redondas à beira rio, das estações que harmoniosamente se sucedem, do pôr-do-sol que embala o sono adiado dos turistas de ocasião mesmo aqui ao pé. Querias ouvir, era? Querias que descrevesse a cor da estrada, o cheiro do pão acabado de cozer, fumegando sobre tabuleiros reluzentes? Ora, perde uns minutos e vagueia no monte, na albufeira, na cidade, na foz e descobre por ti essas maravilhas. Porque a história que tenho para te contar fala do lado sombrio das vielas, da humidade dos dias, da perdição no desespero. Quero que te lembres que há um mundo cinzento e real (não mera concepção virtual num universo paralelo), neste mesmo onde se apregoa uma igualdadezinha de ocasião, vivendo cada um a seu belprazer, embutido numa pseudo-intelecualidade que me adormece os dedos de revolta. Sim, prefiro improvisar uma história real, com amores e desamores, noites em claro por razão nenhuma e apenas uma dor que corta devagarinho, profundamente, sem sangrar nem manchar a máscara. Prefiro ver os teus olhos revirarem com a surpresa da iniciação no dia-a-dia de gente de carne e osso. Rir, flutuar em pensamento, abraçar nobremente pessoas e causas não é utópico. Mas está longe de imediato. Por isso não te conto histórias para cimentar o teu pensamento criativo e ponto final. Relato-te antes linhas delineadas da experiência lida, ouvida, pressentida e, admito que menos, vivida.
Não sou nem quero ser a avozinha simpática na velhice nem na juventude, afagando cabelos na suposta certeza de curar maleitas de crianças e graúdos. As lágrimas, os tropeções, as desilusões, as injustiças dissimuladas, os juízos de valor e tantos, mas tantos erros de pensamento ou autênticos atentados à razão e inteligência, jamais me perdoariam se te pintasse um quadro aromatizado com a tua essência de eleição e pintado nas cores que te alegram os olhos. Não. Quero que eles se abram e escutem a realidade, na certeza da sua diversidade e da possibilidade de seres um pouco melhor.
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Um pouco melhor do que eu.
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20 de janeiro de 2008

Coisas de ouvido

Gosto de te ouvir. Quando falas ao meu ouvido do outro lado da linha; quando um sussurro chega devagarinho, com a tua respiração rente ao meu cabelo; quando, a meio da noite, relembro todas estas palavras. E então, como ao pousar a cabeça pela primeira vez na almofada, adormeço envolta nas recordações das oscilações da tua voz, das quebras, das paragens, dos sorrisos que os teus lábios desenham aqui e além, do brilho dos olhos, da luz e das sombras nos contornos da tua cara, quando as frases vivas revigoram e os sentimentos enevoados que espreitam, a medo, afundam o ser que tens dentro do peito.
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Gosto de saber que falas sem ocultar as paredes rachadas da tua alma. Quando me dizes bom dia, gosto de ti e dorme com a certeza de que uma presença invisível repousa ao teu lado. Porque assim me sinto tão, mas tão perto do verdadeiro tu que olhos poucos vêem. Tão incrivelmente perto de ti.
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Gosto das conversas nunca incomodamente sem assunto. Quando em silêncio, conversamos com a mesma linguagem, embora renovemos os modos de expressão. E nunca ficamos incomodamente sem nada para dizer. Nunca. Saberão os enamorados separados pelas pipocas ou pela mesa do café, que a respiração serenada pela companhia conta um mundo de histórias? E que o livro da nossa memória é página única dos seus capítulos? Duvido. Minto. Tenho a certeza.
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Gosto de te ouvir, de perceber a verdade nas palavras e encontrar novos sorrisos ao simples toque de um dedo.
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Não deixes de falar. Não cales o teu espírito.
Faz-te ser quem és.

E a mim... nem sei. Perdi-me em pensamentos enquanto te escutava.
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18 de janeiro de 2008

Escapadela

Lá em cima, parecia tudo tão pequeno. Os carros corriam velozes, mas em silêncio; as pessoas flutuavam num fundo negro e, aqui e além, cruzado por linhas brancas e amarelas; as cores dos semáforos adivinhavam-se com dificuldade e as lojas vistosas brilhavam sem que se lhes distinguisse o destaque de uma nova colecção.
Lá em cima, uivava o vento, o cabelo teimava em colar-se à cara fria, o cachecol tremia a cada nova investida do ar revolto. E nenhum outro som. Talvez um avião ao longe. Seria?
Naquele terraço de betão, topo da cidade, as luzes adormecidas preparavam-se para cumprimentar a noite. Uma vertigem inesperada tomava conta do corpo quando a curiosidade vencia e ver mais além empurrava, com mãos de seda, o corpo confuso num passadiço estreito. Apenas para ver o que se escondia lá à frente... atrás dos caixotes empilhados.
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Muitos metros acima do chão, sentindo a vibração do ferro e do cimento sob os pés, era intocável. Podia gritar e limpar a consciência. Pensar e esquecer. Ser imortal.
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15 de janeiro de 2008

Tonalidades ou auras desbotadas

Já reparaste nas sombras quando caminhas, páras, olhas uma montra, carregas no botão para atravessar a avenida irrequieta? Sombras curiosas. Movem-se em silêncio. Parecem seguir os passos que dás, sem quebrar os galhos caídos e arrastados pela rua, sem se deterem na multidão abrigada sob um plástico improvisado ao cair das primeiras chuvas; apenas deslizando entre as gotas de água, flutuando acima dos ramos destroçados de uma árvore despida. Sombras de nada. Em tudo encontram morada, se moldam, transfiguram. Verdadeiros recantos da luz, refúgios para calar gritos que esperam pelo brilho das estrelas.
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Caminha atento. Pode ser que encontres a tua. E deixes de vaguear sozinho.
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12 de janeiro de 2008

Another one sleeps

Se te contasse, como os fantasmas da noite atravessam as paredes lentamente, surgindo do nada e tomando conta de tudo quanto se refugia nos recantos sem sombras, apenas escuros, muito escuros. Como os seus contornos de figura inumana se fundem no papel de parede, suspensos no ar que pára à sua passagem, cedendo espaços por entre o nevoeiro em que se transforma e que nasce das cinzas de uma vela reduzida a um punhado de cera disforme.
Se te contasse, como o gelo cobre as almofadas, lhes rouba o toque suave e deixa ficar em seu lugar uma faca afiada. Essa tal, que toca a pele, corta, brilha no negro da noite e chama um fiozinho de sangue vermelho, que tinge o frio dos lençóis e desaparece.
Se te contasse, como o vento rodopia quando uma luz se acende nesse temer dos fantasmas e da lâmina escondida. Como se deita no chão e agita, devagarinho, os tapetes. E como sei que voariam, se pudessem.
Se te contasse que um filme de terror salta da televisão desligada, acelerando o coração, arrepiando a espinha, arregalando os olhos negros pelo sono que devia ser mas não é. Um filme que atrasa as horas, suspende o tempo e afasta o dia.
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Se te contasse tudo isto não ia conseguir explicar. E apertar-se-ia tanto, tanto, tanto um bocadinho de mim que ainda respira. Sem que conseguisse explicar.
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Que a luz não ilumina mais, nem o Sol resolve o que a noite complicou.
Que um calafrio não desaparece quando se procura mais um cobertor.
Que os fantasmas chegam sempre, não se atrasam, não se esquecem, não trocam o número da porta que não usam. Acordam o aquele que se sente sem sentir e que caíra no sono momentos antes; destapam-lhe o corpo cansado e sussuram ao ouvido que a noite é sua. E de mais ninguém. Porque não são invenções esfumadas num abanar de cabeça, piscar de olhos ou banho quente. São vultos que gelam e golpeiam com precisão invejável. Cada vez mais fundo. Cada vez mais ao som ensurdecido do filme que mais ninguém sabe queimar o écran.
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Se te contasse, não ia falar.
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Não quero ir dormir. Não quero acordar sem ter dormido; sem sono mas sem descanso. Não quero ir. Posso?
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9 de janeiro de 2008

Freak show

Andava e andava, por ali. Vagueando ao sabor do vento que ondulava o tapete verde, macio, fofo, matizado pelo Sol caprichoso, ora escurecendo um recanto de árvore no planalto, ora fechando-lhe os olhos pelo reflexo nas folhas verdes da vegetação rasteira. Caminhava de pauzito na mão, saltitando sabia lá bem porquê e não imaginando eu sequer o mais insignificante dos motivos. Aninhava-se aqui e além. Talvez tivesse tropeçado no caminho de um caracol. Seria antes um trevo de quatro folhas, para colocar entre páginas do mais pesado dos livros lá de casa do tio estudioso das coisas do céu e das estrelas? Não sei. À distância dos binóculos, os pormenores fugiam sob a falsa esperança trazida pela proximidade de um espaço, no fundo, longe. Talvez por isso tenha pousado essas lentes na mesinha, deixando o passeio ou vagueio de quem não sabia que nome tinha, o que fazia à chegada da noite ou que livro folheara pela primeira vez. E assim quase esqueci o que passara minutos observando, sei lá bem porquê!
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O que havia na memória a acontecer, era um frio estranho que cravava pregos enferrujados, devagar, nas minhas costas. Uma espécie de chuva espessa deslizava por entre cada um deles, chegando ao chão e queimando a madeira. Mas na minha pele nem um rasto de fogo apagado. Nada.
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Era uma falta de tudo e nada, que me entorpecia por completo. Sem vontade para fazer. Sem vontade de querer. Sem querer saber nem perder tempo sendo alguma coisa. Sem gostar de acontecer nem destino interessante para procurar. Sem sono que me chamasse ou almofada para deitar sobre o lençol.
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Porque era uma falta. De tudo e nada. Na proximidade da loucura. Distante de querer saber dos conselhos e opiniões. Calando. Sem vontade de falar. Nem entender.
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6 de janeiro de 2008

Horas de nada

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Sentei-me como outrora fazia, nessa altura montando imagens e caixas de texto, discutindo comigo resultados de trabalhos desenvolvidos no mundo da ciência, tentando coordenar o que pensava e o que queria (e tinha) que dizer numa qualquer sala repleta de gente inquisidora. Nessa altura.
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Sentei-me na mesma cadeira, conhecendo ainda de cor o ranger da madeira quando me espreguiçava ao fim de umas horas e dava descanso aos olhos aguados pelo sono e pelo cansaço. Recostei-me, como dantes carreguei no botão vermelho do comando e a música começou outra vez a tocar baixinho, olhei a folha em branco que por ali alguém (eu, talvez) esquecera em cima da mesa castanha, e vi claramente o tempo que aconteceu. Naquela altura. Quando o trabalho estava já terminado e madrugada chegava lá fora, embora aqui uma vela dissesse que ainda podia esperar um pouco mais antes de ir dormir. Uns minutos intermináveis de conversa sobre o mais profundo dos assuntos e dos sentires: os que podem ter qualquer nome, mas se distinguem pela espontaneidade.
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Sentei-me então no mesmo recanto. Uma vela antiga e coberta de pó espreitava de soslaio, ou então era eu que assim a olhava, coberta com o pó das memórias e mais velha, com alguns sulcos já na pele. Não precisava de compor qualquer comunicação. Não havia por que ter olhos vermelhos e ensonados. A música chegava-me do mesmo sítio de sempre. A caneta ainda estava na gaveta da direita da escrivaninha. O computador mudara de cor. A conversa mudara de lugar. E de tempo.
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O relógio lá dentro deu sinal das três horas. Ecoou por toda a casa e só eu, hoje como noutros dias de noites sobriamente passadas sem juízo, na descoberta, à luz e aroma quente que subia do castiçal de madeira, estava ainda longe do mundo dos sonhos. Nenhum anjo desceu à Terra. Nenhum diabo com asas emprestadas caiu ao pé de mim. Só a lembrança de uma conversa. Agora, a madrugada impunha que fosse dormir e a vela perdera o pavio. A conversa era outra e mudara de lugar.
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5 de janeiro de 2008

Rewritten

Às vezes desejo (e imagino dentro de mim como seria se assim fosse, real, não apenas uma estranha vontade de) que mundo não existisse. Não para esquecer as mágoas da vida, as dores da sobrevivência, as tristezas do passado; nem para abreviar o caminho até ao futuro, às cores da existência que há-de ser, aos sorrisos ainda por nascer; muito menos para ser outro alguém num espaço sem lugar. Nada disso. Apenas para adormecer suspensa pela luz das estrelas, aconchegada pelo pó dos cometas, embalada pelo silêncio.
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Talvez ao longe sentisse uma presença. Um abraço longínquo. Um perfume perdido e achado na noite sem fim.
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De alguém dormindo sobre nuvens errantes. Ou ainda vigilante e perscrutando o infinito; com olhos de águia e coração sussurrante.
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Saberia que fui eu que desejei que não houvesse mundo(s)?
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1 de janeiro de 2008

Para quem pode, não para quem quer.

Não sabem. Não sabem mesmo.
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Talvez te lembres do filme de que te falei um dia, aquele que poderia sair da nossa cabeça, dos nossos instantes, ser filmado em fita auto-destrutível, esfumar-se diante dos olhos cerrados de todos eles. No fundo, porque não sabem. Não conhecem por dentro, nem por fora porquanto caminham com vendas, a realidade que acredito sonharem secretamente, porém vendo-a sem pre sem contornos definidos. Afinal, os sonhos são assim quando, na noite, surgem sem ter havido realidade que os tocasse.
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Não sabem o que é adormecer imerso num perfume que passou de um tu para este eu que se perde na tua presença. Adormecer sentindo ainda o calor da tua pele, essa que se encostou a mim e roubou parte do perfume que nunca quis distribuir ao acaso; essa pele que se arrepia quando respiro ao teu lado. Adormecer ao sabor dos ecos do que me contas baixinho, ao ouvido, mesmo sem palavras. Porque às vezes os outros sentidos também falam. E eu sei escutar o que me dizem em surdina, tão perto de mim que a luz recua. Deixa-nos no escuro. Apenas ilumina a estrada lá fora, deixando que me conheças sem ver. Um pouco como aprendi a reconhecer o contorno de ti na multidão.
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Não sabem o que é encostar-se ao peito de um tu e desenhar na pele humedecida, o lugar do coração que bate protegido, sossegado. Deitar a cabeça e adormecer embalado pelo compasso da tua respiração, esquecendo que há um mundo lá fora.
Não sabem e julgam invejosamente a tal falta de juízo de gente que devia ser de bem. Mas sabes o que digo? Claro que sabes. A gente é de bem e muito ajuizada. Só que a gente sente, ousa e toca, embarca no abraço que muitos evitam, dissimulam.
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A gente partilha mais do que o corpo e a outra gente, que acorda com um vazio na alma, nunca viverá os instantes em que a respiração estremece e a cor dos olhos se confunde.
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Não sabem. Não sabem mesmo. Todos eles. Fechados num casulo de betão que lhes barra o pensamento e afunda a rebaixa a existência, temendo o que vivemos na rua, à beira mar, no mais alto dos edifícios. Onde ninguém nos vê.
Não sabem de onde vem o estender de mão que nos junta num lugar para um, procurando cada contorno de nós esse pedacinho do outro que torna a viagem mais segura.
Não sabem como se constrói uma história proibida, cujos detalhes apenas nós conhecemos e nos dizem sermos mais do que ajuizados e portanto actores principais e únicos espectadores de um filme banido pelo pudor dos críticos literários que jamais avistaram o livro invisível que escrevemos a cada dia. A cada momento de perdição, choro, riso, desfalecimento.
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Não sabem, pois não?
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