"E tu?" E eu? Eu nada. Há quem precise de comida e não tenha com que calar o ranger dos dentes, quem passe frio todas as noites e não se possa aquecer num banho quente quando chega a manhã. Há quem se perca em dívidas que arruinam os seus sonhos outrora coloridos; quem mendigue um presente para a criança de olhos encovados e tristes.
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E eu? Eu... nada. Só isso. Com tudo isto, como pode ser de valor prestar atenção a esse eu pequenino entre milhentos que gritam.
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E eu? Nada. Simplesmente há os dias, sim todos eles, que bem podiam não vir depois da noite, e as noites que não seriam julgadas se não se deitassem depois do Sol ir dormir. Vagueio aqui ao pé sobre a madeira que estala ao meu passar, caminho no cimento quebrado da rua para chegar a lugar nenhum que queira mesmo visitar. Leio de soslaio. Interrogo para quê? Já não quero. Já não me fala em língua que conheça. Corro, salto, mergulho. Para enganar os músculos, sem objectivo conseguido, chamativo.
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Desculpa, mas Eu já não sei responder ao "E tu?". Mas gosto de saber do teu Eu, de ver crescer a certeza, de pressentir ambição num caminho bem traçado. No fundo, de ver a pele desenrugada em torno dos teus olhos, decididos, sabedores do hoje que é preciso organizar, espelhos de um sentir que se crava na pele, por dentro.
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E eu... nada. Até um dia gostar de novo do ruído do dia e do silêncio da noite. Um dia qualquer, que seja como imaginei, desejei, projectei, trabalhei e perdi.
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Boa noite. Dorme serenamente. Sob as estrelas, na Terra, são os meus olhos que afastam os pesadelos que se aproximam da tua porta. No tempo do meu sono, que ardeu nas chamas que não vi, sento-me e viajo, guerreando as sombras negras que escurecem a noite e procuram a tua morada. Dorme. Dorme, longe do frio que não deixo as criaturas da noite soprarem ao teu ouvido.
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